Silêncio e barulho das emoções
Qual é o transtorno? A falta de emoções dos filhos? Ou o excesso das emoções dos pais "baby boomers"?
AS ELEIÇÕES esquentam os ânimos. As promessas duvidosas de tal ou tal outro candidato me irritam, assim como as propostas que são perigosas para minha liberdade ou repugnantes para meu sentimento de justiça.
Mas o que me indigna mais é a paixão partidária em si, seja qual for seu conteúdo -mesmo quando ela promove ideias com as quais concordo. Tanto faz que eu prefira melhorar o transporte em São Paulo ampliando o metrô ou a rede de ônibus, de qualquer forma, se alguém ficar na esquina pulando e gritando "Serra!" ou "Haddad!", aquilo vai me deixar perplexo (isso, a não ser que ele seja pago para mostrar seu entusiasmo -nesse caso, entendo, sem problema).
Na verdade, todas as emoções -da paixão partidária ao espírito torcedor, passando pelo amor, a saudade, o ciúme, o ódio etc.-, aos meus olhos, são quase sempre excessivas: transportes descontrolados ou atuações caricatas. Longe de serem reações adequadas a circunstâncias externas, elas me parecem ser teatralizadas (se não produzidas) por nós mesmos. Teatralizadas por quê?
Oscar Wilde disse um dia que as aquarelas de Turner inventaram o pôr do sol -pois, se não fosse pela pintura de Turner, nem pararíamos para contemplar as cores do crepúsculo. Algo análogo poderia valer para emoções e sentimentos.
Alguém ama do jeito sofrido do jovem Werther com Charlotte? Ou ele imita a paixão de Werther para convencer aos outros e a si mesmo de que ele ama? Alguém enlouquece de ciúme como Otelo ou ele imita a loucura de Otelo para convencer a si mesmo e aos outros de que ele está com ciúme?
Além disso, desde os anos 1960, assistimos a uma valorização das emoções, como se sua livre expressão fosse a marca da autenticidade.
Sem suspeitar que talvez estejamos expressando emoções muito além do que realmente sentimos, consideramos a ausência de emoções como um defeito, num arco que vai da frieza (considerada dissimuladora) até verdadeiros transtornos, como atimia (falta de emoções) ou alexitimia (incapacidade de expressar emoções).
Sem dúvida, há indivíduos que não sentem, não reconhecem nos outros e não expressam emoções. Eles não se confundem com os psicopatas, que precisam reconhecer perfeitamente as emoções dos outros, para manipulá-los. Quem são, então, os atímicos?
Estou assistindo a um extraordinário seriado sueco da BBC Four, "The Bridge" (http://www.bbc.co.uk/programmes/b01gxlxj). A policial da história é um exemplo perfeito de atimia e alexitimia.
Ela interroga por telefone um homem que está preso dentro de um carro-armadilha, que vai explodir em dois minutos. O homem, desesperado, não consegue pensar nem responder. Nossa policial não entende: qual é o problema? O fim do homem vai ser imediato, sua vida vai parar sem sofrimento. Para que o desespero?
Uma noite, a policial está a fim de sexo. Ela vai para uma boate e troca um olhar com um moço, o qual pergunta se ele pode oferecer um drinque. A policial responde "Não". O moço se afasta. A policial o segue e lhe pergunta por que ele foi embora. "Porque você disse não", responde o homem. E a policial explica que ela não queria um drinque, queria sexo.
A atimia (que estaria aumentando) é provavelmente uma falha de comunicação entre os hemisférios do cérebro. Alguns dizem que seria causada por pais frios e distantes, que desejam e encorajam muito a autonomia dos filhos. Subtexto: os pais que prezam os valores da modernidade estariam produzindo crianças alexitímicas.
Tendo a pensar o contrário. E constato que há adolescentes que fogem para a aparente "frieza" da alexitimia porque, de fato, eles não aguentam o excesso de emoções teatralizadas pelos pais.
Nesse caso, qual é o transtorno? A falta de emoções dos filhos? Ou o excesso das emoções dos pais "baby boomers"?
"Alexithymia" é uma música de Anberlin, um grupo de rock que aprecio. As letras dizem : "So very hard to breathe. My mask is growing heavy but I've forgotten who's beneath" (difícil respirar, minha máscara se tornou pesada, mas eu me esqueci de quem é que está debaixo dela). O título sugere que a letra é menos óbvia do que parece.
A máscara que pesa e nos sufoca talvez não seja (no estilo 1960) a cara impassível que esconderia nossas emoções reprimidas. As máscaras que pesam e nos sufocam talvez sejam as que vestimos para expressar e teatralizar emoções excessivas e obrigatórias, que todos esperam de nós.
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