'Se nós pressupormos...'
Para significativíssima parte dos falantes, os verbos derivados de 'pôr' tornaram-se regulares
ESCREVE-ME DA Bahia um fiel leitor: "O ministro X acaba de dizer 'Se nós pressupormos...'. Está de acordo com a norma gramatical o ilustre jurista ou acaba de abrir precedente, que pode desaguar em jurisprudência? Eles são tão vaidosos e cheios de purismos, que deveriam saber também conjugar verbos, não?".
Não ouvi a declaração, mas, depois de pesquisar aqui e ali, concluí que de fato a frase foi dita durante o julgamento do mensalão.
Vamos por partes. O fato de pessoas cultas dizerem "Se nós pressupormos..." mostra que a flexão registrada no padrão culto da língua ("Se nós pressupusermos") anda longe do uso efetivamente vivo. O caso do ministro em questão é só um dos tantos que comprovam o que acabo de afirmar. Parece que, para significativíssima parcela dos falantes, os verbos derivados de "pôr" tornaram-se (definitivamente) regulares.
Comprovam essa afirmação os vários exemplos (vindos de pessoas muito letradas, pouco letradas ou iletradas) do emprego de construções como "Quando eu compor uma música", "Se ele supor isso", "Se o deputado se opor a esse projeto", "Se nós contrapropormos outro valor" etc., etc., etc.
As gramáticas, os dicionários e os textos escritos sob o rigor da norma dizem que todos os verbos derivados de "pôr" (absolutamente todos, sem nenhuma exceção) são conjugados exatamente como "pôr", cujo futuro do subjuntivo é "se eu puser, se tu puseres, se ele puser, se nós pusermos, se vós puserdes, se eles puserem".
De acordo com essa orientação, o futuro do subjuntivo de todos os verbos derivados de "pôr" se faz exatamente como o de "pôr": "Quando eu compuser uma música", "Se ele supuser isso", "Se o deputado se opuser a esse projeto", "Se nós contrapropusermos outro valor" etc., etc., etc.
Moral da história: a julgar pelo que se vê nos registros formais da língua, o ministro escorregou, já que deveria ter dito "Se nós pressupusermos", o que, para muitas pessoas, parece ser justamente a forma "errada".
Agora vejamos o que dizem as provas de português dos vestibulares das mais importantes universidades do país, certamente elaborados por professores das escolas de letras dessas próprias universidades ou de outras (ou ainda de instituições que elaboram esse tipo de prova). Tomemos como exemplo uma conhecida questão da Unicamp, baseada neste trecho jornalístico: "...se (o governo) repor as perdas salariais". A banca pedia ao candidato que localizasse a "forma inadequada", que a trocasse pela forma adequada e que explicasse o motivo do "desvio".
Como se vê, essa banca considera inadequado o uso de "se o governo repor" em textos formais, o que equivale a dizer que, por mais que se vejam formas como essas aqui e ali (na escrita ou na fala de gente i/letrada), a forma "adequada" é outra.
O motivo do "desvio" já foi explicado no começo desta coluna, mas relembro: ao dizer "Se nós pressupormos", o falante age como se o verbo fosse regular. A base da flexão do futuro do subjuntivo dos verbos regulares e de alguns irregulares é o próprio infinitivo. De "falar", por exemplo, temos "se eu falar, se tu falares, se ele falar, se nós falarmos..."; de "beber", temos "se eu beber..."; de "decidir", temos "se eu decidir...".
De "fazer", não temos "se eu fazer", assim como de "ir", não temos "se eu ir", certo? A "fórmula" da conjugação culta do futuro do subjuntivo já foi explicada mais de uma vez neste espaço. Se você fizer um concurso público ou um vestibular, lembre-se de que o que se quer nesses casos é mesmo o domínio do padrão formal culto da língua, o que, no caso visto hoje, impõe a forma "pressupusermos" ("Se nós pressupusermos"). É isso.
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