quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Anticorpos neutralizam HIV em cobaias


Terapia criada por brasileiro teve eficácia mais longa que a de remédios atuais, com chance de menos efeitos colaterais

Sucesso em roedores leva cientista a pensar em ensaio com pessoas; resistência natural ao vírus inspirou estudo
RAFAEL GARCIA

EM WASHINGTON

Um tratamento inovador contra o HIV, que usa substâncias obtidas a partir do organismo de pessoas imunes ao vírus, teve eficácia mais duradoura que as drogas antirretrovirais convencionais em um teste com cobaias.
Após usar anticorpos (moléculas de ataque do sistema de defesa do organismo) para tratar camundongos geneticamente modificados, Michel Nussenzweig, o cientista brasileiro que liderou a pesquisa, quer agora iniciar um ensaio clínico em pacientes humanos.
Junto com seus colegas da Universidade Rockefeller, de Nova York, Nussenzweig descreveu o sucesso do experimento num estudo publicado hoje pela revista científica britânica "Nature".
SUMIÇO
Os anticorpos monoclonais (clonados a partir de uma única célula) usados no teste conseguiram reduzir a infecção por HIV a níveis indetectáveis nos camundongos.
Como o vírus da Aids não infecta roedores naturalmente, os cientistas tiveram de fazer o teste com camundongos geneticamente modificados, cujo sangue tinha características moleculares humanas.
Os anticorpos monoclonais, por sua vez, são uma técnica sofisticada que já vem sendo usada para tratar alguns tipos de câncer e doenças autoimunes.
As proteínas usadas no experimento liderado por Nussenzweig, que já tinham sido descritas em outro estudo no ano passado, são capazes de neutralizar muitas variedades diferentes do vírus.
Segundo ele, outras pesquisas que tentaram usar terapia similar falharam por não ter anticorpos tão robustos à mão.
Apesar de os anticorpos monoclonais serem uma abordagem mais cara que os antirretrovirais, existe uma perspectiva de uso para a técnica no tratamento de soropositivos, pois eles quase não trazem efeitos colaterais.
"A vantagem dessa abordagem é que os anticorpos são um produto natural, feito pelo organismo humano", disse Nussenzweig à Folha.
"Os voluntários num teste clínico serão aqueles que não toleram bem as drogas, aqueles nos quais as drogas estão falhando ou os que queiram receber um tratamento com doses uma vez a cada poucos meses em vez de ter de tomar algo todos os dias."
LONGA DURAÇÃO
No experimento com os camundongos "humanizados", tanto a terapia de anticorpos quanto as drogas antirretrovirais foram eficazes em manter a carga de vírus em níveis baixos. Quando o tratamento foi cessado, porém, o vírus voltou a proliferar em poucos dias nos roedores tratados com medicamentos.
Os animais que estavam recebendo os anticorpos permaneceram sem sintomas por até dois meses. "Em humanos, a meia-vida [taxa de deterioração] de anticorpos é ainda mais longa que nos roedores", diz. "Esperamos que esse período de eficácia seja o dobro ou o triplo."

Teste da ideia em humanos deve custar até US$ 5 mi, diz cientista
EM WASHINGTON

O teste da nova terapia contra Aids em humanos ainda não tem data para começar. Nussenzweig e seus colegas ainda precisam levantar verbas, por exemplo.
"Um teste como esse custa caro, mesmo que seja pequeno, e provavelmente sai entre US$ 2,5 milhões e US$ 5 milhões. Não estou acostumado a ter de levantar essa quantidade de dinheiro."
Nussenzweig, porém, diz-se otimista. Existe até mesmo a chance de que os anticorpos monoclonais levem à cura da infecção pelo HIV.
"Não é provável, mas é possível, pois alguns animais foram efetivamente 'curados' no contexto do experimento", disse. "O problema é que a infecção não dura muito em camundongos, então não sabemos se ela acabou se esgotando sozinha ou se aconteceu mesmo uma cura."
Além de planejar o teste clínico, Nussenzweig continua tentando desenvolver uma vacina capaz de induzir o sistema imune a produzir os anticorpos. "Estamos trabalhando duro para isso", diz. "Todos concordam que a vacina é realmente a solução para a epidemia." (RG)

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