Max Milliano Melo
Estado de Minas: 07/11/2012
Brasília – Quando se pensa em ciência de ponta, logo se imaginam os avançados laboratórios da Nasa, nos Estados Unidos, as tradicionais universidades francesas e alemãs ou mesmo os modernos centros de pesquisa japoneses. Durante décadas, o mapa da ciência ficou restrito a essas regiões, com a participação de outro pequeno punhado de nações, como Austrália e Canadá. Contudo, a história está mudando, segundo aponta uma série de artigos publicados pela revista científica Nature. O novo mapa da ciência tem mais territórios, com as nações em desenvolvimento, como China, Índia e Brasil, assumindo um papel cada vez mais importante.
Incluída no material divulgado pela publicação britânica, uma pesquisa do National Bureau of Economic Research ouviu cerca de 47 mil especialistas para identificar os países cuja produção é admirada pela própria comunidade científica. Quando perguntados sobre as atuais potências, os entrevistados citam as nações mais tradicionais: os Estados Unidos são apontados por 87% dos participantes, com Reino Unido (50%) e Alemanha (47%) vindo em seguida.
Quando a pergunta é alterada para quais serão as potências em 2020, contudo, a situação muda de figura. Embora ainda bastante lembrados, os países tradicionais perdem espaço. Os Estados Unidos, por exemplo, são a aposta de apenas 36% dos cientistas. O índice de lembrança do Reino Unido e da Alemanha cai para 19% e 23%, respectivamente. Por outro lado, a China dispara. Se hoje é considerada uma potência por 12% dos entrevistados, 59% deles acreditam que ela o será daqui a oito anos. A Índia pula de 4% para 29%. O futuro do Brasil também parece promissor para os pesquisadores internacionais. Apenas 4% acham que o país já pode ser considerado uma potência, mas 16% apostam que ele estará entre as principais nações do setor em 2020. O crescimento de 300% o coloca à frente de França, Canadá e Austrália (veja gráfico ao lado).
É verdade que a comunidade científica parece apostar mais no crescimento de Índia e China que no brasileiro, mas o país tem um diferencial que pode contar a seu favor: mais especialistas gostariam de trabalhar aqui do que nos outros membros dos Brics. Apenas 8% dos pesquisadores aceitariam transferir suas pesquisas para a China, e um percentual parecido, 9%, toparia montar seu laboratório na Índia. Enquanto isso, as terras brasileiras são atraentes para 12% dos cientistas de todo o mundo, percentual acima da média dos outros países da América Latina, que é de 8%.
Globalizado Esse dado se mostra importante quando se observa que a tendência da pesquisa mundial é a internacionalização. Na Europa, a cooperação, com participação de países menores, é a principal marca da produção do conhecimento. Em todo o mundo, é raro encontrar um estudo cujos autores são de apenas um país. A principal marca da pesquisa contemporânea é o seu caráter transnacional.
“O rápido crescimento da capacidade de investigação em todo o mundo fornece uma base sólida para encontrar soluções para os desafios globais. Convencidos de que a investigação de ponta e a inovação tecnológica vão estimular o crescimento econômico forte, cada vez mais países estão comprometendo somas substanciais para a ciência, a engenharia de pesquisa e a educação”, analisa, em um dos textos divulgados pela Nature, Subra Suresh, diretor da Fundação Nacional de Ciência dos Estados Unidos. Em todo o mundo, o volume de recursos investidos em ciência dobrou nos últimos 15 anos, atingindo a marca de US$ 1,4 trilhão.
Se o Brasil parece um bom destino para cientistas de outros países, alguns fatores precisam ser repensados para que o desejo se transforme em realidade.
Atualmente, apenas 7% dos pesquisadores em exercício no Brasil são estrangeiros, a maioria vinda de países vizinhos, em especial Argentina, Colômbia e Peru. “Há uma primeira barreira, que é a língua, mas ela é a mais simples de ser ultrapassada”, afirma Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). “Outros problemas atrapalham a vinda de mais pesquisadores. O principal deles é a burocracia do nosso país”, completa.
Segundo Cruz, as dificuldades da vida prática nacional minam a vontade de estrangeiros de permanecerem no Brasil. “Aqui, você só compra um celular se tiver CPF. A documentação para alugar um imóvel é enorme. Tudo é complicado e demorado”, reclama o diretor da Fapesp, para quem, no cotidiano das pesquisas, os centros brasileiros, em muitas disciplinas, competem em pé de igualdade com os do exterior.
“Nos laboratórios, em muitas áreas, como aeronáutica, biocombustíveis, meio ambiente, saúde e materiais, para citar algumas, nossos centros de pesquisas são muito atraentes.” O terceiro ponto que pesa na hora de os cientistas não virem para o Brasil é a fama do país como um lugar violento. “Sempre que um estrangeiro chega, ele pergunta sobre essa questão.”
Idas e vindas Na hora de enviar seus pesquisadores para o exterior, o país vive uma realidade dupla. Proporcionalmente, poucos brasileiros integram os times de laboratórios de outros países. Apenas 7% dos cientistas nacionais atuam fora do país – a título de comparação, 57% dos pesquisadores suíços, 47% dos canadenses e 45% dos australianos atuam fora de seus países de origem. Por outro lado, o Brasil está dentro da média mundial quando se trata da experiência internacional de seus cientistas. Cerca de 51% dos especialistas brasileiros já pesquisaram no exterior. A média é superior à de nações como Itália, Japão e Estados Unidos.
A explicação para o contraste nos dois números é a altíssima taxa de retorno dos pesquisadores, em torno de 84%, a terceira mais alta do mundo. É o que deve ocorrer com Sharmaine Caixeta, mestranda da Universidade do Porto, em Portugal. “A Faculdade de Belas-Artes da Universidade do Porto encontra-se entre uma das melhores do mundo na área. Além disso, a proximidade territorial entre os países europeus e africanos permite um trânsito maior de pessoas”, diz Sharmaine, explicando a opção por ter ido estudar fora.
Ela tem a percepção de que, por razões também econômicas, outros países, sobretudo europeus, veem os brasileiros com bons olhos. “A mobilidade acadêmica hoje é muito importante entre essas universidades. Não é segredo que os países europeus enfrentam uma crise, e o brasileiro é hoje alguém que consome e tem meios para isso”, opina. Todos os anos, milhares de cientistas brasileiros vão para o exterior com bolsas pagas por diversas esferas do governo brasileiro e com a obrigatoriedade de voltar para o país, o que também ajuda a justificar a alta taxa de retorno nacional.
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