Em seu novo disco, o carioca Henrique Cazes valoriza a legítima música instrumental brasileira, interpretando variados estilos, do choro à valsa, e ainda polca, samba e maxixe
Eduardo Tristão Girão
Estado de Minas: 07/11/2012
O cavaquinista carioca Henrique Cazes retorna ao posto de solista com o disco Uma história do cavaquinho brasileiro (Sax Samba), visitando repertório para o instrumento que abrange diferentes épocas, além de incluir duas peças de sua autoria, Real grandeza e Dois estudos nº 6 e nº 7. Nos últimos anos, o instrumentista, que é também importante pesquisador de música, se dedicou a projetos como a famosa série Beatles’n’choro (quatro discos) e a coleção institucional Sons da música brasileira (12 discos).
“A ideia desse disco surgiu da constatação que era uma história que poucos conheciam aqui e no exterior. Por exemplo, pensam que o cavaquinho solado nasceu com Waldir Azevedo e muitos acham que acabou com ele também. Isso ficou claro para mim quando participei do documentário português Apanhei-te cavaquinho, que está no YouTube, entre 2010 e o ano passado. Contar o antes e o depois, dando uma valorizada no inestimável trabalho do Waldir, foi a ideia desde o início”, conta Henrique.
Registros São composições de Waldir as mais frequentes entre as 14 faixas do disco: Delicado, Brincando com o cavaquinho, Eterna melodia (com Hamilton Costa) e aquela que talvez seja sua composição mais conhecida, a imortal Brasileirinho, que ganhou algumas notas diferentes por conta do intérprete.
Além de cavaquinho, no disco Henrique tocou violão e violão tenor, acompanhado por Marcello Gonçalves (violão de sete cordas), Omar Cavalheiro (baixo) e o irmão Beto Cazes (percussão). Esse quarteto está junto há 22 anos e só com Marcello o cavaquinista mantém duo há 15, tendo lançado dois bons discos, Pixinguinha de bolso (2000) e Vamos acabar com o baile (2007). Entre os convidados estão o acordeonista Marcelo Caldi, o flautista Leonardo Miranda, o pianista Cliff Korman e os violonistas Rogério Caetano e Luís Felipe de Lima.
Entre as pérolas do disco está a polca Cruzes, minha prima!, escrita por Joaquim Callado (1848–1880) e exemplo da função essencialmente rítmica que o cavaquinho teve em certa época. “Procurei combinar relevância histórica dos autores e variedade de estilos, como choro, polca choro, samba, maxixe e valsa, de forma que o repertório mostrasse os recursos do instrumento, que tantos dizem serem poucos e os vejo como muitos, a maior parte ainda pouco explorados”, explica o músico.
Também foram contemplados os compositores Mário Álvares (Roceira), Garoto (Meu cavaquinho), Canhoto (Gingando, com Dino Sete Cordas), Ernesto Nazareth (Apanhei-te cavaquinho), Radamés Gnattali (Variações sem tema), Paulinho da Viola (Beliscando) e Nelson Alves (Não pode ser!). Provavelmente o menos conhecido entre todos os citados, Nelson tocou com Chiquinha Gonzaga e Pixinguinha e deixou um único disco gravado como solista de cavaquinho, de 1930.
três perguntas para...
Henrique Cazes
cavaquinista, pesquisador e compositor
cavaquinista, pesquisador e compositor
Depois de trabalhar com séries e coleções, você volta a gravar como solista. O que isso representa para sua carreira?
Um dia, em 1985, estava na casa do Radamés Gnattali em Penedo, na Região Serrana do Rio, e ouvimos na Rádio MEC um pianista muito bom, que não sabíamos quem era. De repente, Radamés virou para mim e disse: “Garanto que esse solista tem mais de 50 anos”. Aí, me explicou que só depois dessa idade, com a experiência, vem a maturidade que estávamos admirando. Quando eu fiz 50, em 2009, eu lembrei dessa história e resolvi fazer um disco para ver se a teoria se comprovava. Ao final, gosto muito do resultado e hoje me vejo com uma maturidade de solista que não tinha antes. O maestro estava certo, mais uma vez.
Qual é a sua opinião sobre o cavaquinho de cinco cordas? Você vê nele uma forma de renovar o instrumento ou uma mera opção estética?
O cavaquinho de cinco cordas perdeu espaço na década de 1930 com a consagração do samba batucado como música nacional e o regional, formado por dois ou três violões, cavaquinho, pandeiro e instrumento solista, como a fórmula ideal para acompanhá-lo. Como acho que essa parte de acompanhamento continua sendo muito importante e o de cinco cordas é pior para acompanhar, a tendência é ele continuar sendo usado apenas pelos que querem solar. É diferente do bandolim de 10 cordas, usado praticamente só para solo e, então, virou febre internacional a partir do Hamilton de Holanda.
Que contribuição você acredita ter dado ao cavaquinho com sua atuação como músico e pesquisador?
Acho que o método Escola moderna do cavaquinho, lançado em 1988 e em sua 14ª edição, foi uma contribuição relevante. Acho que posso dizer também que abri um caminho próprio, com som e interpretação que fugiram ao modelo de Waldir Azevedo, hegemônico por tanto tempo. Minha relação com as centenas de alunos que tive nos diferentes lugares onde dei aula no país ajudaram no aspecto da diversidade, pois acredito que cada um deve descobrir um jeito próprio de tocar e sempre incentivei, principalmente os mais jovens, a encontrar seus caminhos.
Um dia, em 1985, estava na casa do Radamés Gnattali em Penedo, na Região Serrana do Rio, e ouvimos na Rádio MEC um pianista muito bom, que não sabíamos quem era. De repente, Radamés virou para mim e disse: “Garanto que esse solista tem mais de 50 anos”. Aí, me explicou que só depois dessa idade, com a experiência, vem a maturidade que estávamos admirando. Quando eu fiz 50, em 2009, eu lembrei dessa história e resolvi fazer um disco para ver se a teoria se comprovava. Ao final, gosto muito do resultado e hoje me vejo com uma maturidade de solista que não tinha antes. O maestro estava certo, mais uma vez.
Qual é a sua opinião sobre o cavaquinho de cinco cordas? Você vê nele uma forma de renovar o instrumento ou uma mera opção estética?
O cavaquinho de cinco cordas perdeu espaço na década de 1930 com a consagração do samba batucado como música nacional e o regional, formado por dois ou três violões, cavaquinho, pandeiro e instrumento solista, como a fórmula ideal para acompanhá-lo. Como acho que essa parte de acompanhamento continua sendo muito importante e o de cinco cordas é pior para acompanhar, a tendência é ele continuar sendo usado apenas pelos que querem solar. É diferente do bandolim de 10 cordas, usado praticamente só para solo e, então, virou febre internacional a partir do Hamilton de Holanda.
Que contribuição você acredita ter dado ao cavaquinho com sua atuação como músico e pesquisador?
Acho que o método Escola moderna do cavaquinho, lançado em 1988 e em sua 14ª edição, foi uma contribuição relevante. Acho que posso dizer também que abri um caminho próprio, com som e interpretação que fugiram ao modelo de Waldir Azevedo, hegemônico por tanto tempo. Minha relação com as centenas de alunos que tive nos diferentes lugares onde dei aula no país ajudaram no aspecto da diversidade, pois acredito que cada um deve descobrir um jeito próprio de tocar e sempre incentivei, principalmente os mais jovens, a encontrar seus caminhos.
Mais recursos
Henrique usa cavaquinhos feitos pelo luthier carioca Tércio Ribeiro. O nível de qualidade e acabamento (bem como o preço), conta, é o mesmo de um violão de concerto de alto nível. “Ele me oferece mais recursos de expressão que a média dos instrumentos que estão por aí, mas a questão-chave é a adaptação entre músico e instrumento. O cavaquinho da gravação foi feito para mim, só é tocado por mim, não tem captador instalado e nem viaja, para não sofrer as mudanças de clima. Só sai de casa para ir ao estúdio gravar. Aí é um prazer total.”
Nesse sentido, Henrique avalia que não só os cavaquinhos mas também os cavaquinistas vêm melhorando ultimamente. “Vejo surgirem talentos originais pelo Brasil afora, cada um buscando um caminho, uma linguagem. O que precisa melhorar é a literatura, tanto a parte didática quanto o repertório para cavaquinho solo. Tenho me dedicado especialmente a esses itens ultimamente e devo lançar bastante coisa em breve”, revela.
Projetos Assim que voltar de Buenos Aires, onde foi tocar no último fim de semana, Henrique Cazes fará dois shows de lançamento do novo disco, no Rio de Janeiro e em São Paulo. No fim do mês, embarcará para Portugal para mostrar o trabalho em Lisboa. Belo Horizonte também está nos planos dele: “O público da cidade é muito ligado no cavaquinho e estão surgindo vários instrumentistas de primeiro time”, reconhece.
No ano que vem, entre janeiro e março, o cavaquinista arrumará novamente as malas: vai ensinar samba e choro na Universidade de Toronto, no Canadá. Mesmo longe de casa, garante, arranjará tempo para se dedicar a outro projeto: “Vou aproveitar essa temporada de inverno para estudar o Concertino para cavaquinho e orquestra de cordas, de Ernani Aguiar, que terá sua primeira audição”. E promete mais: outro disco de Jota Canalha, seu personagem de humor, e livro sobre roda de choro.
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