quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Tem marimba no rock (Uakti) - Sérgio Rodrigo Reis

Uakti lança disco com temas dos Beatles, com arranjos escritos especialmente para os instrumentos do grupo. Parceria com o compositor Philip Glass vai ser retomada 

Sérgio Rodrigo Reis
Estado de Minas: 07/11/2012 
A música que o grupo Uakti faz exige, além de atenção redobrada, certa atitude solene no palco. Diante de instrumentos incomuns, feito de materiais inusitados como tubos de PVC, pedaços de vidro, cabaças, apitos, madeira ou latinhas de refrigerante recicladas, os artistas são obrigados a decorar cada movimentação e nota musical até conseguir o efeito desejado, não raras vezes, bem diferente do convencional. O novo projeto, um CD com releituras de clássicos dos Beatles, que será lançado em show nos dias 16, 17 e 18, no Grande Teatro do Palácio das Artes, exige algo mais dos integrantes do grupo.

O Uakti em 35 anos de carreira e ficou conhecido pelo trabalho autoral ligado ao repertório erudito e popular mais sofisticado. Raras vezes se aproximou do universo pop, como quando tocou com o Skank ou durante apresentação no Rock in Rio. Com o disco Uakti Beatles, o grupo flerta de vez com o movimento musical que, na essência, dialoga com multidões e com universo mais colorido e agitado do showbizz. Eles estão se preparando para a mudança. “Geralmente, pela exigência dos arranjos, tocamos mais compenetrados. Vamos continuar olhando para baixo, para as marimbas, mas não há como não ser mais alto astral. O repertório chega com uma carga pop que nos leva para cima”, diz Paulo Santos.

A ideia das recriações dos arranjos das obras-primas dos ingleses John, Paul, George e Ringo foi de Marco Antônio Guimarães. Além de responsável pela criação dos instrumentos, o músico e compositor, que há anos prefere se manter nos bastidores, tem cuidado de sinalizar os caminhos do Uakti. Com a homenagem aos Beatles não foi diferente. “O líder dos beatlesmaníacos é o Marco. Mas todos nós somos fãs. Temos afeto grande pelas melodias simples da banda inglesa, de resultado musical raro”, conta Artur Andrés. Foi necessário um ano inteiro para idealização dos arranjos e outro para gravação e ensaios para o show. “Incluiremos uns seis temas que não estão no disco”, completa Artur, mantendo em segredo os nomes das canções.

O disco Uakti Beatles chega com 16 faixas. Estão lá, por exemplo, Lucy in the sky with diamonds, Across the universe, With a little help from my friends, Something e Here comes the sun. As gravações, além de Paulo Santos, Artur Andrés e Décio Ramos, tiveram participação de Marco Antônio. No show, pelo menos até segunda ordem, ele não deve aparecer no palco. Para manter a fidelidade sonora nas apresentações ao vivo, o Uakti lançou mão de uma solução caseira. Pela primeira vez os filhos e esposas de alguns dos integrantes entrarão em cena. Josefina Cerqueira, mulher de Paulo Santos, e Regina Amaral, casada com Artur Andrés, vão participar. O guitarrista Ian Cerqueira, filho de Josefina, e o flautista Alexandre Andrés, filho de Arthur, também são presenças confirmadas.

Quem está acostumado com a sonoridade do Uakti vai se surpreender. O disco mantém a essência tanto do grupo quanto dos arranjos dos Beatles. “Todas as notas das melodias são originais. O que dá o diferencial é o timbre”, explica Décio. Mas engana-se quem imagina a sensação de déjà vu. A intenção é criar surpresa. Ao transpor para os instrumentos de sons singulares o repertório dos ingleses, o Uakti não cai no lugar-comum, nem mesmo da sonoridade que os notabilizou. Pela primeira vez os músicos mineiros flertam com instrumentos convencionais, usando o piano para conduzir a melodia de Come together, e a guitarra num solo de Get back. “Com o CD estamos realizando uma mudança de oitavas das mais amplas”, avisa Paulo Santos. Se a intenção é internacionalizar ainda mais o trabalho, como parece, o Uakti tem tudo para ganhar novos palcos.

outros tempos

Naquele instante

Marco Antônio Guimarães, músico

Estava entrando na adolescência quando os Beatles aconteceram no mundo. Ainda tenho lembrança de Love me do tocando no rádio pela primeira vez. Eles eram poucos anos mais velhos que eu e a minha geração descobriu um grupo de jovens que fazia a música que queríamos ouvir, mas ainda não sabíamos.
Tenho uma teoria sobre o instante exato em que os Beatles conquistaram o mundo. Foi naquele ousado salto de oitava quando eles cantavam” I wanna hold your hannnd”... aquilo era chocante para os mais velhos e deliciosamente rebelde para nossos ouvidos adolescentes.
Desde então, acompanhei cada lançamento novo até Let it be, o último. Delicioso fazer parte daquela geração que chegava na loja e perguntava :"Tem o disco novo dos Beatles ?”.

Vem aí

Os projetos na Oficina Instrumental Uakti não param. Ainda no processo de feitura do disco com releituras dos Beatles, o grupo se encontrou com Philip Glass, compositor americano considerado um dos mais influentes da atualidade, e parceiro dos mineiros no disco Águas da Amazônia. “Ele falou da alegria e repercussão daquele disco e sugeriu que pensássemos no número dois. Segundo ele, já tem vários temas prontos”, adianta Artur Andrés. 
Outra novidade será a sede do futuro Centro de Referência do Uakti. O terreno de 5 mil metros quadrados já foi doado na área do Hospital da Baleia. “Os instrumentos originais que tocamos há 35 anos serão comprados. Já estamos construindo réplicas para continuar os shows”, diz Artur. Nos três andares da nova sede funcionarão sala de aula, estúdio de gravação, apartamento para residência artística e teatro para realização de shows. “A perspectiva é para 2015. Se tudo sair como planejado, vai beneficiar muita gente”, garante Andrés.


Negociação difícil
Não é tarefa das mais fáceis gravar um disco do repertório dos Beatles. Para tirar do papel o projeto Uakti Beatles, o grupo mineiro teve que submeter os arranjos à aprovação da gravadora Sony. Outra recomendação: é proibido associar marcas de empresas ao nome do grupo inglês. A consequência foi que o grupo não pôde usar as leis de incentivo. “É um disco totalmente fora da lei”, brinca Paulo Santos. Os próprios músicos tiveram que bancar a tiragem inicial de 3 mil discos prensados. 

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