Paloma Oliveto
Estado de Minas: 30/11/2012
Prêmio Nobel de Ciências Econômicas e um dos maiores matemáticos da história dos Estados Unidos, John Nash começou a acreditar em coisas muito estranhas quando chegou à casa do 30 anos. Ele achava, por exemplo, que era o imperador da Antártida e pensava ser capaz de decifrar mensagens codificadas nas páginas do jornal The New York Times. O gênio foi dominado por uma doença mental altamente incapacitante, que acomete 1% da população mundial: a esquizofrenia.
Delírios e alterações do pensamento são sintomas marcantes desse distúrbio. Mas há outra característica que pode ser facilmente reconhecida nas entrevistas concedidas à televisão por Nash, que inspirou o filme Uma mente brilhante (2008). O olhar inquieto, que não se fixa no interlocutor e faz movimentos rápidos e descoordenados, é uma particularidade dos esquizofrênicos. Um exame dessas alterações poderá se tornar o primeiro método de diagnóstico físico da doença, que, até agora, é identificada apenas pela anamnese (entrevista feita pelo profissional de saúde com o objetivo de avaliar um paciente).
Em uma pesquisa publicada na revista Biological Psychiatry, psiquiatras britânicos conseguiram diagnosticar pacientes de esquizofrenia com mais de 98% de precisão baseados apenas em testes visuais. “Os pacientes não parecem ver o mundo da mesma forma que indivíduos saudáveis. Eles têm um olhar que não se fixa, que demora a seguir objetos em deslocamento, mas, depois que alcança a trajetória, os movimentos se tornam rápidos e bruscos”, diz o principal autor do estudo, Philip Benson, do King’s College London e da Universidade de Aberdeen.
Benson lembra que, já em 1908, esse padrão ocular anormal foi notado em pacientes psicóticos pelo psiquiatra Allen Diefendorf e pelo psicólogo Raymond Dodge, que desenvolveram testes para investigá-lo. Porém, o rastreamento dos movimentos dos olhos era feito com um pêndulo — o indivíduo precisava seguir o vaivém do objeto —, enquanto, na pesquisa britânica, foram usadas imagens do dia a dia, sem que os cientistas precisassem orientar a direção que os participantes deveriam seguir. “O resultado com imagem é muito mais convincente e, talvez, mais informativo, porque é fruto de um movimento ocular natural”, acredita.
Testes Os pesquisadores fizeram três tipos de testes. Em um deles, os participantes tinham de manter a cabeça ereta e seguir com os olhos, o mais suavemente possível, uma linha que se movia em uma tela. Outro experimento apresentava fotos como paisagens, pessoas e alimentos, e o voluntário só precisava olhar para elas, sem acompanhar um padrão fixo. Por fim, os participantes deviam fixar os olhos em um ponto por alguns segundos e se nesse meio tempo aparecesse outro ponto, ignorá-lo. “Esse último é bem fácil de entender e todo mundo pode fazer. Usamos como substituto para um teste muito mais difícil aplicado em outros laboratórios, que costuma confundir os pacientes”, relata Benson.
Enquanto participavam dos exames, os pacientes tinham os olhos filmados e analisados por um software de computador, que traçava um caminho a partir dos pontos nos quais as pessoas haviam fixado o olhar. Os resultados (veja arte) não deixaram dúvidas de que esquizofrênicos têm um padrão de movimento ocular bastante diferente do de pessoas saudáveis e não conseguem se fixar em um objeto por muito tempo, como ficou claro principalmente no último teste. A análise dos exercícios visuais foi feita pelos pesquisadores sem que eles soubessem de quem eram os exames. Ao combinar o resultado dos três experimentos, eles chegaram ao índice de 98,3% de precisão diagnóstica. Houve, inclusive, casos de pessoas que estavam no grupo de controle e, depois de fazer os testes, a esquizofrenia foi detectada. O contrário também ocorreu, com quatro pacientes tidos como esquizofrênicos, mas que apresentaram um desempenho que os colocava na fronteira entre o distúrbio e a normalidade.
Philip Benson explica que, do ponto de vista clínico, a pesquisa ainda não traz benefícios diretos para os pacientes. Mas ele destaca a importância dos resultados para detectar pessoas em risco. Acredita-se que a esquizofrenia tem componentes hereditários. “Uma vez que entendermos melhor como são os padrões específicos de movimentos oculares de esquizofrênicos e de pacientes que sofrem de outras doenças, como depressão e bipolaridade, poderemos ajudar os médicos a testar as pessoas que estão em risco e desenvolver planos de tratamento para elas”, afirma.
Apoio O psicólogo Elizeu Coutinho de Macedo, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana Mackenzie, concorda que um marcador para a esquizofrenia poderá ser importante para o diagnóstico precoce. “Se tenho um paciente esquizofrênico, será que o filho dele tem probabilidade de desenvolver o surto? O diagnóstico precoce ajuda no acompanhamento, desde a informação aos trabalhos de suporte”, afirma.
Em 2007, Macedo publicou um artigo no qual também analisa os movimentos oculares de esquizofrênicos. O trabalho, pioneiro no Brasil, replicou métodos utilizados em estudos estrangeiros. Um dos interesses do psicólogo no padrão de exploração visual dos esquizofrênicos é que avaliações importantes da psicologia, chamadas testes projetivos, podem ser mal interpretadas no caso desses pacientes. Nos testes, o psicólogo apresenta pranchas com imagens e a pessoa deve dizer o que vê ali. Embora não exista resposta certa ou errada, o terapeuta consegue analisar a interpretação e, assim, avaliar o paciente. “Como, na esquizofrenia, o padrão visual é reduzido, pode-se chegar a uma conclusão errada, como dizer que a pessoa tem problemas de memória”, explica.
O psicólogo ressalta, entretanto, que o autismo e alguns distúrbios mentais, como depressão e transtorno bipolar, também fazem com que os portadores apresentem movimentos oculares diferentes. “Seria interessante incluir em pesquisas outros grupos de pacientes”, afirma. Essa também é a opinião de John H. Krystal, psiquiatra da Universidade de Yale e editor da Biological Psychiatry: “É encorajador ver o alto grau de sensibilidade desse modelo de diagnóstico. Será interessante constatar se essa abordagem permitirá aos investigadores clínicos distinguir pessoas com esquizofrenia daqueles indivíduos com outros distúrbios psiquiátricos”. Philip Benson garante que já está fazendo isso: “Temos evidências ainda não publicadas de que nossos testes também poderão identificar o transtorno bipolar”.
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