Bruna Sensêve
Estado de Minas: 30/11/2012
A obesidade é o maior fator de risco para o diabetes. O aumento das células do tecido adiposo no organismo leva a uma resistência à ação da insulina, hormônio responsável por promover o ingresso de glicose nas células e, como consequência, reduzir as taxas de açúcar no sangue. A relação próxima de dois problemas de saúde tão comuns tem feito da busca pelo tratamento do diabetes também uma procura pela redução da obesidade. Cientistas da multinacional em biotecnologia Amgen British Columbia desenvolveram em laboratório um anticorpo capaz de atuar nas duas frentes e publicaram os resultados da pesquisa na revista científica Science Translational Medicine.
Experiências realizadas em macacos mostraram uma redução no peso corporal e no índice de massa corpórea (IMC) de aproximadamente 10% entre a quinta e a sexta semana após a primeira injeção com a substância. A perda de peso começou uma semana depois da segunda aplicação do anticorpo — houve um intervalo de duas semanas da primeira — e teve seu efeito prolongado por oito semanas. Foi registrada ainda uma diminuição na circunferência abdominal e na dobra cutânea das cobaias. Para comprovar os efeitos dos anticorpos criados pelos pesquisadores, também foi monitorada a ingestão de alimentos.
Em geral, o consumo foi ligeiramente reduzido no início da experiência, mas retornou aos níveis iniciais (iguais aos do grupo de controle) por volta do 20º dia, sugerindo que uma possível redução da ingestão de alimentos não seria a responsável pelo emagrecimento dos animais. A segunda principal consequência do tratamento foi a redução significativa dos níveis de insulina no plasma sanguíneo tanto nos animais em jejum quanto na análise de cobaias logo após elas se alimentarem, o que pode indicar potencial melhora na sensibilidade dos macacos ao hormônio.
Segundo os pesquisadores, os índices de insulina dos animais durante o jejum e após alimentados foi significativamente menor, assim como as taxas de glicose em um teste de tolerância, sem ter como efeito colateral a hipoglicemia. “A redução significativa dos triglicérides plasmáticos, do peso corporal, do IMC e da circunferência abdominal indica uma perda preferencial da massa adiposa. Os efeitos leves no consumo de alimentos sugerem que houve um aumento do gasto energético potencial”, afirma Ian Foltz, autor principal da pesquisa. Os benefícios tiveram uma duração mínima de cinco semanas e, para alguns dos parâmetros metabólicos medidos, os resultados duraram até dois meses após a injeção da substância.
Cópia aprimorada O mimAb1, como foi denominado o anticorpo, foi projetado com base no funcionamento de uma proteína do organismo humano, o fator de crescimento de fibroblastos 21 (FGF21). Ele provém de uma família de moléculas conhecidas por diminuírem o peso corporal e controlar o metabolismo da glicose, e que já havia atraído a atenção de pesquisadores. Estudos anteriores, no entanto, mostraram que o FGF21 atua de forma muito pobre como um medicamento. Por esse motivo, Ian Foltz e sua equipe projetaram uma molécula alternativa que imita as ações do FGF21.
Foltz ressalta que os efeitos encontrados por eles com o mimAb1 são consistentes com diversos estudos anteriores sobre a função do FGF21 em roedores e comparáveis ao que foi encontrado em outro relatório semelhante sobre o uso do FGF21 em macacos. Ainda assim, ele alerta que ainda precisam ser realizados muitos outros experimentos para que a tecnologia possa ser traduzida em humanos, como testes de toxicidade, de segurança e de efeitos colaterais. “Mas os dados de eficácia iniciais em primatas não humanos sugerem que esse anticorpo está a caminho para ajudar no tratamento de pacientes com obesidade e diabetes”, conclui.
Expectativas A notícia foi recebida de forma animadora pelo endocrinologista Carlos Eduardo Couri, da equipe de transplante de células-tronco da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto e coordenador do Departamento de Novas Terapias da Sociedade Brasileira de Diabetes. Na opinião de Couri, existe uma grande perspectiva futura de uso do mimAb1 em humanos, já que ele age tanto no metabolismo da glicose quanto no energético. “Os macacos que receberam essa injeção endovenosa tiveram redução de mais de 15% de triglicerídeos em 50% dos casos. Isso é fantástico por ser uma aplicação endovenosa e não a administração de um comprimido oralmente todos os dias. A vantagem é obter efeitos a longo prazo”, acredita.
Couri alerta, no entanto, para a tradução do estudo em humanos, o que pode levar a uma terapia um pouco diferente. “Uma das questões é quanto tempo cada injeção durará no nosso organismo. Se for somente um dia, muito dificilmente alguém vai preferir a terapia injetável diária”, analisa. O presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, Airton Golbert, afirma que talvez esse seja o principal impasse do estudo. “É extremamente experimental e com um efeito agudo muito rápido. É possível imaginar um tratamento como esse no futuro, mas as buscas são muitas. Infelizmente, estamos com dificuldade de conseguir algo efetivo para o emagrecimento. O que já existia saiu do mercado”, declara, referindo-se à proibição, no ano passado, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) da venda de anfetamínicos.
Segundo Golbert, os medicamentos para o diabetes tradicionalmente fazem com que o paciente engorde, inclusive a insulina. Por esse motivo, a comunidade científica se dedica a conseguir tratamentos que observem as duas condições. Há dois medicamentos no mercado nessa linha. Eles aumentam a ação da proteína GLP1 no organismo, melhorando a condição do pâncreas para a secreção de insulina. O anticorpo desenvolvido pelos pesquisadores da multinacional, no entanto, atua diretamente na corrente sanguínea e, no teste em macacos, teve os efeitos após a injeção prolongados.
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