sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Marina Silva


Icebergs
Mais um grande bloco de gelo (do tamanho de Nova York, disseram os cientistas) se desfaz na Antártida. As catástrofes do aquecimento global já não espantam os brasileiros, que ficam, porém, apreensivos com o início das chuvas.
Como um iceberg, o Brasil tem uma parte visível, acima da linha do noticiário, e outra parte que não se vê, mas pode-se imaginar o tamanho. O escândalo da vez é uma história rocambolesca, com personagens próximos do poder político, que denunciam a superficialidade da "faxina" feita no início deste ano.
Ainda se discute os resultados do julgamento do "mensalão" e ouvem-se os ecos da guerra urbana em SP e SC. Em silêncio e submersas, outras guerras continuam.
Na semana passada, lemos na internet, estarrecidos e indignados, a carta do pesquisador em saúde pública Luiz Carlos Meirelles, gerente-geral de toxicologia da Anvisa, que denunciou irregularidades na liberação de agrotóxicos não avaliados, desaparecimento de processos e até falsificação de sua assinatura. Recebeu, como resposta, sua exoneração.
A "flexibilização" das regras para agrotóxicos vai no mesmo rumo do fim da exigência de rotulagem para os transgênicos, que a chamada "bancada ruralista" quer votar na Câmara. Juntam-se ao esvaziamento do Ibama e demais órgãos de controle, às barreiras para a criação de novas terras indígenas, à desfiguração do Código Florestal e a todas as iniciativas de abolir direitos da população sob pretexto de "remover barreiras" aos negócios. Removem-se as barreiras aos negócios no curto prazo e, em barreiras, os negócios ao longo do tempo, por falta de compromisso com o futuro do país, inteligência e visão.
Abaixo do visível, as tragédias das comunidades. No início deste mês, a aldeia munduruku (AM) sofreu com os excessos de uma ação policial que resultou no assassinato de um índio e em agressões generalizadas. A violência no Brasil rural não é menor que nas grandes cidades.
Há momentos em que o mundo parece explodir, porém, é só uma agitação na superfície. Mas as crises atuais provêm de regiões mais profundas. O declínio econômico da Europa não é só uma fase passageira com a qual se possa jogar nas Bolsas de Valores. Os desastres do aquecimento global não são oportunidades de melhoria nos preços das commodities. São emergências que comprometem o futuro do planeta, das quais não haverá como tirar dividendos.
Da mesma forma, as crises brasileiras, acima e abaixo da linha de visibilidade, nos desafiam a um salto de consciência. Devemos aproveitar as festas de fim de ano para refletir, meditar, encontrar novos rumos. Sem interromper a luta, que está longe do fim, contra a locomotiva de retrocessos, que levam à devastação.

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