ONU concede à Palestina o status de Estado observador
Resolução teve 138 países favoráveis, incluindo o Brasil, e 9 contrários
Para Israel, decisão desconsidera segurança do Estado judaico e não contribui para o processo de paz
Kathy Willens/Associated Press | ||
O líder palestin oMahmoud Abbas (centro) após a votação |
É algo simbólico, pelo reconhecimento como Estado, mas a Autoridade Palestina continuará ainda sem direito a voto na ONU.
O Brasil votou a favor da resolução e "felicitou" a Palestina, em nota do Itamaraty.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-Moon, afirmou, após a decisão, que a resolução não significa que a organização não se preocupa com a segurança de Israel.
O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, e o representante de Israel, Ron Prosor, fizeram discursos agressivos.
"Chegou o momento para o mundo dizer claramente: basta de agressão, de assentamentos, de ocupação", disse Abbas, muito aplaudido.
O representante israelense disse que a resolução tinha apenas um lado, o palestino, e não falava nada sobre a segurança de Israel. Referindo-se a Abbas, disparou: "O senhor não pode visitar nem metade do seu território, Gaza, que é controlado pelo Hamas, uma organização reconhecidamente terrorista".
"Não viemos deslegitimar um Estado estabelecido há tantos anos, que é Israel. Viemos afirmar a legitimidade do Estado que agora precisa conquistar sua independência, a Palestina", disse Abbas.
Mas ele passou a maior parte de seu discurso atacando Israel, dizendo que o país jogou o processo de paz na "terapia intensiva", além de fazer "limpeza étnica" e de cometer crimes de guerra.
Falando logo após Abbas, o representante de Israel afirmou que a resolução deveria "encorajar os palestinos a entrar em negociações diretas sem pré-condições para alcançar uma paz histórica com um Estado palestino desmilitarizado que reconheça o Estado judaico".
"A segurança de Israel deve ser protegida e os palestinos devem reconhecer o direito à existência de Israel. Nenhum desses pontos está presente na resolução a ser votada de hoje. Esta resolução só tem um lado", criticou, pouco antes da votação. Foi bem menos aplaudido que o palestino pela plateia.
Para diplomatas europeus ouvidos pela Folha, além de reforçar o status da Palestina, a decisão de ontem altera uma pendência que sobrevive desde 1947.
Quando a partilha foi feita, previa-se a criação de dois Estados, um judaico e um palestino. Israel foi criado, mas o Estado palestino, não.
Israel não deve se preocupar, diz negociador
Palestina só acionará corte internacional se Israel cometer "novos crimes", diz Nabil Shaath, representante em conversas de paz
Nabil Shaath diz que apoio do Brasil foi fundamental e que país poderia ser incluído em grupo de mediadores
"Se eles não vão cometer novos crimes, não têm com o que se preocupar", disse Shaath à Folha, durante rápida passagem por São Paulo.
Shaath, que veio ao país representar o presidente da ANP (Autoridade Nacional Palestina), Mahmoud Abbas, no Fórum Social Mundial Palestina Livre, em Porto Alegre, diz que o Brasil é "importante candidato" a integrar uma eventual extensão do Quarteto para o Oriente Médio (EUA, Rússia, União Europeia e ONU).
Nabil Shaath - É um reconhecimento internacional do nosso direito de ser um Estado nas fronteiras de 1967 [Cisjordânia e faixa de Gaza, ocupadas na Guerra dos Seis Dias], com Jerusalém Oriental como capital. Mas é um reconhecimento que deveria ter vindo em 1948, quando Israel foi reconhecida pela ONU. Os israelenses consideram que a nossa terra está sob disputa -o que significa que eles podem pegar o quanto quiserem dela. O reconhecimento como Estado nega a eles o direito de pegar nossa terra.
Tecnicamente, agora a Palestina pode levar Israel ante o TPI por crimes contra um 'Estado ocupado'. Há essa intenção?
Nós não vamos acionar o tribunal por crimes que eles já cometeram. Se eles não vão cometer novos crimes, não têm com o que se preocupar.
A ANP não participou das negociações do cessar-fogo entre Gaza e Israel. Isso a enfraquece politicamente?
Claro, mas o que podemos fazer? Desde 2007, Gaza tem um regime separado porque Israel se retirou de lá e a colocou sob um cerco, separando-a totalmente da Cisjordânia. Íamos sendo informados das negociações pelo Hamas, mas quem liderou foi o Egito.
A vitória na ONU pode recolocar a ANP como um ator político relevante?
Isso ajuda, obviamente. E é bem possível que, como resultado dessa guerra [os ataques entre Gaza e Israel] e dessa vitória nas Nações Unidas, haja uma união entre Gaza e a Cisjordânia. Imediatamente após a guerra, o Hamas apoiou o nosso pleito na ONU. No começo, eles eram contra. E já é possível perceber mais liberdade para o Fatah atuar politicamente em Gaza e o Hamas na Cisjordânia.
Dentro de um Estado, a Autoridade Palestina terá controle sobre os braços armados dos grupos de Gaza?
Nós não temos controle total em Gaza, mas entre 2009 e 2011, eles não atiraram nenhum foguete [em Israel]. Se os israelenses realmente anunciarem que querem se comprometer com os acordos que já assinaram, não haverá uma bala vinda de Gaza.
O Brasil fez campanha entre os vizinhos pela votação na ONU. Como veem esse apoio?
Foi fundamental. O Brasil nos ajudou não só reconhecendo nosso Estado em 2010, mas instando outros países a fazer o mesmo. Desde o presidente Lula, o Brasil se tornou um grande apoiador da Palestina.
Fala-se muito em expandir o Quarteto para melhorar sua eficiência. O Brasil poderia ser uma opção para integrá-lo?
Totalmente. Não só o Brasil, mas Índia, África do Sul, China e Turquia são importantes candidatos para um novo "Quinteto", "Sexteto" ou "Octeto". O Quarteto sozinho não conseguiu nada.
A Palestina vai tentar de novo se tornar um membro pleno?
Sim, quando os americanos decidirem não usar mais o veto no Conselho de Segurança.
O que deve demorar...
Não necessariamente. As coisas mudam.
População festeja com realismo em Ramallah
MARCELO NINIOENVIADO ESPECIAL A RAMALLAHUm sentimento de orgulho, mas com os pés no chão. Foi nesse espírito que palestinos celebraram a votação na ONU que elevou o status da Palestina para Estado observador. Apesar do feriado concedido a estudantes e funcionários públicos, Ramallah viveu um dia quase normal, à espera da sessão histórica na ONU.Nada parecido com a euforia de 2011, quando uma multidão acompanhou o pedido para que a Palestina se tornasse membro pleno da ONU, que fracassou.
"Sei que, na prática, nada mudará no dia seguinte, mas é importante ter o reconhecimento de que a Palestina é um país, não um grupo de terroristas", disse o técnico em tecnologia da informação Eymad Othman, 27.
Um telão foi montado no centro de Ramallah e muita gente apareceu, com bandeiras e crianças vestidas com as cores palestinas. Num esforço para mostrar unidade, representantes do Hamas e Jihad Islâmico discursaram em apoio ao pleito de Abbas.
Moradores de Gaza contaram à Folha que houve manifestações de partidários do Fatah, num desfile de bandeiras raramente permitido pelo Hamas.
O premiê israelense, Binyamin Netanyahu, disse que o país "tem a mão estendida à paz", mas que ela só virá por meio de negociações. "A decisão não promoverá o estabelecimento de um Estado palestino, só o afastará."
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