O Globo - 30/11/2012
Viver numa fortaleza, rodeado de ódio e ressentimento, não é uma fórmula para uma longa vida do Estado judeu
A
 recente guerra entra os palestinos do grupo Hamas na Faixa de Gaza e 
Israel deu novo impulso à luta dos palestinos para um país independente,
 e também deu novo respaldo ao líder do Hamas, Khaled Meshal, que 
somente este ano voltou a Gaza de Damasco depois de discordar da matança
 de Bashar al-Assad contra o povo sírio.
Como de hábito, essa 
guerra foi desigual e assimétrica, com o Hamas lançando centenas de 
foguetes não muito sofisticados diariamente contra Israel, e o Estado 
judeu respondendo com ataques de mísseis americanos de ultima geração, 
lançados do ar, mar e terra contra a densamente povoada Faixa de Gaza, 
deixando seus alvos pulverizados. No final, pelo menos 140 palestinos 
foram mortos em uma semana de combates, mais de metade deles civis, 
contra cinco israelenses mortos. A diferença desta vez foi que alguns 
dos mísseis, os Fajr-5 fornecidos pelo Irã, atingiram a maior cidade 
israelense, Tel Aviv, e os arredores de Jerusalém. Isso deu um susto na 
população israelense, e forçou as Forças Armadas israelenses a usar 
intensamente o seu sistema de proteção antimíssil chamado de Cúpula de 
Ferro. Há estimativas de que Israel gastou US$ 40 milhões somente com 
isso.
O presidente palestino, Mahmoud Abbas, que lidera a facção 
palestina de Fatah na Cisjordânia e que é o queridinho dos israelenses e
 americanos por sua política de cooperação passiva com Israel, foi 
praticamente esquecido nesse episódio que realçou a política de 
resistência armada do Hamas contra a ocupação e o bloqueio israelense 
dos territórios palestinos. A maioria dos palestinos aplaudiu o 
lançamento dos foguetes do Hamas contra Israel, mesmo muitos daqueles 
morando na Cisjordânia, trazendo mais dúvidas sobre a relevância de 
Fatah e Abbas na luta palestina de mais de 60 anos por um Estado 
independente. Abbas, na semana que vem, vai tentar de novo conseguir o 
status de Estado para a entidade palestina na Assembleia Geral das 
Nações Unidas em Nova York, onde terá que conseguir uma maioria absoluta
 dos votos a favor. Se conseguir isso, Abbas certamente vai conseguir 
resgatar um pouco do prestígio que tem perdido o Hamas.
Mas além 
de realçar as diferenças entre Hamas e Fatah, essa guerra mostrou o 
quanto as alianças estratégicas estão mudando rapidamente no Oriente 
Médio, que continua muito instável com os efeitos das ondas de 
revoluções da Primavera Árabe ainda se desdobrando. O Hamas tem se 
desligado de sua aliança com o Irã por causa da guerra civil na Síria, 
voltando-se em vez disso para Catar, Egito e Turquia.
Algumas 
semanas antes de Israel assassinar o líder militar do Hamas, Ahmad 
Jabari, no dia 14 de novembro, o sheik Hamad bin Khalifa al-Thani, o 
líder do Catar, visitou a Faixa de Gaza — o primeiro líder árabe a fazer
 isso por algum tempo — e levou a promessa de ajuda na forma de 
investimentos no valor de US$ 400 milhões.
O presidente egípcio, 
Mohammed Mursi, desempenhou um papel muito importante nas negociações de
 cessar-fogo entre Israel e o Hamas, usando suas credencias islamitas 
com o Hamas e o desejo de resguardar o tratado de paz de Camp David 
entre Israel e o Egito. O Hamas prometeu não lançar mais foguetes contra
 Israel, por enquanto, e Israel também prometeu não assassinar mais 
líderes do Hamas, e disse que relaxaria o bloqueio da Faixa de Gaza. 
Agora só nos resta saber quanto tempo tudo isso vai durar.
O que 
me incomodou com essa guerra foi o jeito habitual de os israelenses se 
posicionarem como as vítimas em tudo isso, botando toda a culpa e a 
maldade nas cabeças dos palestinos. A vida na Faixa de Gaza tem sido 
extremamente difícil, um tipo de inferno, com quase nada entrando por 
causa do bloqueio israelense. É fato que a maioria dos israelenses não 
quer uma vida compartilhada com os palestinos, e ficam contentes em 
viver em uma Israel fortaleza, rodeados por povos que não sentem 
qualquer carinho por eles. Mas acho que a opinião pública mundial viu 
que a luta era desleal e que desta vez foi Israel quem começou a briga.
Com
 isso o Irã ficou ainda mais isolado no mundo árabe; a preferência dos 
EUA por Israel, como sempre, foi realçada de novo, e Mursi ficou 
empenhado numa batalha complexa contra os restos do regime do Mubarak 
que não querem ver Mursi e a Irmandade Muçulmana vencerem a sucessão no 
Egito.
Os israelenses vão ter que aceitar um Estado palestino ao 
lado de Israel, se querem viver em paz na região. Israel vai ter que 
tirar os assentamentos judaicos da Cisjordânia, e dividir Jerusalém com 
os palestinos. Viver numa fortaleza, rodeado de ódio e ressentimento, 
não é uma fórmula para uma longa vida do Estado judeu. Os palestinos, 
por sua parte, vão ter que desistir de vez do direito de retorno à 
antiga Palestina. Em troca, Israel deverá ceder a Cisjordânia e a Faixa 
de Gaza, com algum tipo de corredor ligando os dois territórios para 
viabilizar um Estado palestino. O Hamas e o Fatah vão ter que resolver 
suas diferenças e pendências para beneficiar seu povo.
Mursi, 
agora mais do que nunca, está sob pressão para tentar conter o Hamas, já
 que o Egito tem uma fronteira estratégica com a Faixa de Gaza. Com o 
turbilhão de protestos diários no Cairo contra a suposta tomada de poder
 por Mursi, o presidente egípcio está tendo um batismo de fogo nos 
corredores do poder.
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