domingo, 16 de dezembro de 2012

A voz da emoção ( Nana Caymmi ) - Ailton Magioli‏


Cantora fora dos padrões e de timbre privilegiado, Nana Caymmi lança pacote que reúne os principais discos de sua extensa carreira, com direito a livreto de entrevistas
 

Ailton Magioli
Estado de Minas: 16/12/2012 


O preço salgado da caixa lançada pela EMI, só não assustou a cantora Nana Caymmi porque o pagamento pode ser parcelado


Não há nada, absolutamente nada, na caixa A dama da canção que Nana Caymmi não gravaria hoje. “Naquela época, a gente tinha seis meses para escolher o repertório e, quando ia para estúdio, já sabia de tudo que queria gravar”, conta a filha de Dorival Caymmi. “Ganhei um presente de Natal”, afirma Nana, comentando sobre a obra lançada pela EMI. O box tem 18 CDs de carreira, lançados entre 1965 e 2000, e o duplo Eu sei que vou te amar..., repleto de pérolas gravadas em compactos e discos de outros artistas.

Ela aproveita para anunciar que voltará ao estúdio em janeiro, depois de uma década de ausência. Ao lado dos irmãos Danilo e Dori Caymmi, fará um CD-tributo ao centenário do pai, Dorival Caymmi (1914-2008), que depois sairá também em DVD. Posteriormente, promete pensar em um esperado disco inédito de carreira. Do primeiro LP da Elenco, em 1965, até o segundo CD de boleros, Sangue de mi alma, de 2000, estão todos em A dama da canção, que cobre as maiores performances da intérprete em estúdio. De brinde, o livreto com entrevistas de Nana e do irmão Dori Caymmi.

“Nana tem um timbre muito particular; assim como Nara Leão, ela é do tipo ame-a ou a odeie”, afirma o pesquisador Rodrigo Faour, responsável pela produção da caixa, cujo preço médio é de R$ 449,90. “Fiquei tranquila porque minha filha contou que a venda está sendo dividida em várias vezes”, afirma a cantora carioca, preocupada com o preço do disco em período de crise. Rodrigo Faour lembra que Nana Caymmi nunca foi do tipo de fazer concessões à indústria fonográfica. “Ela só grava o que quer, não dá para imaginá-la gravando, por exemplo, a dupla Michael Sullivan e Paulo Massadas nos anos 1980.”

 “Por melhor que fosse a música da popularíssima dupla”, salienta o produtor, chamando atenção para o fato de Nana Caymmi nunca ter sido bossa-novista, tropicalista, adepta da canção de protesto ou de qualquer outro movimento. Além disso, Rodrigo recorda que, ao longo da carreira, ela teve de segurar o peso de ser filha de Dorival Caymmi, não tendo o apoio inicial do pai, para seguir carreira artística, apesar de ter estreado fonograficamente em disco dele.

Raridades 

De acordo com Nana, além da oportunidade de ter a discografia dela praticamente reunida em uma única caixa, há que se destacar o álbum duplo Eu sei que vou te amar... , do qual constam 41 faixas, entre sucessos avulsos e raridades, registradas por ela em discos alheios, entre 1960-1985 e 1985-2001, respectivamente. “Há coisas ali que nem eu conheço”, diverte-se, salientando o grande número de convites para gravar com outros artistas. “Era convidada e até me esquecia de comprar os discos”, conta.

Do pai Dorival Caymmi (Acalanto, que marcou a estreia dela em disco), a Tom Jobim e Vinicius de Moraes (Eu sei que vou te amar, com Raul Di Blasio ao piano), passando pelo irmão Dori Caymmi e Nelson Motta (Saveiros, com a qual ganhou o 1º Festival Internacional da Canção, em 1966, sob vaias), por Gilberto Gil (a parceria dos dois em Bom dia, quando estavam casados), Milton Nascimento (Sentinela), MPB-4 (Tema de amor de Gabriela), Flavio Venturini e Toninho Horta (Solidão) e Fagner (Você/Penas do Tiê), ela cantou obras de variadas gerações.

Depois de fazer duo com estrelas da MPB, Nana participou de trilhas de novelas, séries e de cinema, tais como Quem ama não mata (Se queres saber); Tenda dos milagres (Flor da Bahia); Tieta (Vem, morena); Teresa Batista (Deixa ficar); Renascer (Dois corações); Suave veneno (Suave veneno); e O clone (Tarde triste). A minissérie Hilda Furacão, no entanto, tornou-se o maior sucesso da artista na telinha, depois de ela gravar Resposta ao tempo, canção da parceria de Cristóvão Bastos e Aldir Blanc que batizou disco com o qual ela atingiria a marca das 100 mil cópias vendias (Disco de Ouro).

Rodrigo Fauor lembra que é difícil descrever o canto de alguém. “Nana sempre disse que canta com o útero. Acho que é isso, ela pode cantar uma música suavemente, e em outras parecer uma cantora de ópera. Nana lida o tempo todo com o emocional das canções, não é uma cantora padronizada. E seu timbre, assim como os de Simone, Bethânia, Dalva, Ângela, Maysa, Gal, Elis, Elza, Elizeth, Alcione, Aracy, Isaurinha, Dolores, Clara, Cássia, Rita Lee, Lana Bittencourt ou Leny Eversong, é inimitável”, compara. “O Brasil teve um escrete de cantoras excelente. Hoje, reina a padronização, com raras e honrosas exceções.”

A melhor fase da cantora, na opinião do produtor, é a que vai de 1975/76 a 1985, quando, além de dois “excepcionais” discos gravados, na hoje extinta CID, ela fez álbuns primorosos, com arranjos bem diversificados na EMI. Apesar de considerar os discos A noite do meu bem – As canções de Dolores Duran e Alma serena, ambos dos anos 1990, especialmente inspirados, Rodrigo Fauor diz que, “depois, os arranjos ficaram um pouco padronizados, excessivamente abolerados” – referindo-se a Bolero (1993) e Sangre de mi alma (1997). “Mas a excelência do repertório dela prevalece”, reconhece.

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