Estado de Minas: 16/12/2012
Olha só que bobagem espantosa vou dizer: ninguém vive na realidade. Isso é de uma tolice exemplar. No entanto, quando essa frase me veio no meio da confusão do dia a dia, anotei-a pensando que fosse uma profundíssima sabedoria. Parecia coisa de Sócrates. Se fosse de Sócrates ou Platão, seria ótima, mas, sendo cotidianamente minha, é meio fraca. Reconhecendo nela sua banalidade, resolvi repetir a frase, experimentá-la sob vários ângulos como se faz no laboratório, para ver se ganhava densidade. Então, repeti, solene: ninguém vive na realidade. E a frase começou a ficar mais intrigante. Aí, fui adicionando: nem você, nem eu, ninguém vive na realidade. Nem a presidente da República e seus ministros, nem o presidente do STF, nem o seu vizinho, nem essa pessoa a seu lado na fila do banco. Muito menos o cientista no laboratório, o músico e seu instrumento.
Não vivem dizendo por aí que os poetas vivem no mundo da lua? Corrijo: todo mundo vive no mundo da lua. O professor, coitado, está ali à frente da classe tentando incutir nos alunos alguns dados que julga serem reais, e os alunos, ah! os alunos, com a cabeça noutros mundos, nefelibatas da eletrônica, ligados no iPhone, no iPad, na balada noturna e no sexo. O sexo, todo mundo sabe, é outra realidade. Atrás da qual se fantasia o tempo todo.
Você acha que essas mulheres nas capas das revistas são reais? Olhem a vida particular delas, vejam as ditas-cujas sem maquiagem, igual à Madonna, no dia seguinte ao show no Rio, lá no subúrbio. Cara lavada, era uma velha e respeitável senhora! Nada da devassa e pornográfica. O palco e o não palco. Tudo é palco. Alguém já disse: casamento é quando você coloca a sua escova de dentes ao lado da escova de sua mulher. Em alguns casos, até a dentadura.
Você acha que o lixeiro vive na real? Recolhendo o que sobra do dia a dia, com o que sonha o lixeiro? Vou lhes revelar: o lixeiro sonha, minha gente, o lixeiro não suporta a realidade. Sonha com outro mundo. Porque a realidade fede. Claro, tem umas flores nos seduzindo por aí. Mas ninguem vive na realidade. Querem saber? Aliás, fantasia também fede. Vejam no que deu a fantasia de tantos, a ideologia nazista e comunista, no que deu a Inquisição. Como os cães, como os milionários, como os santos no deserto cercados de mulheres nuas, o homem e a mulher sonham, porque ninguém suporta a realidade.
Dizia o Rosa, tudo é travessia. Na travessia, o real é brabeza. Perguntem pra Riobaldo e Diadorim como é atravessar o sertão. Já a lembrança é outra coisa: aí a gente refaz o real como gostaria que fosse, ou como acha que ele aconteceu. Peguem o exemplo da viagem: uma coisa é o projeto da viagem, outra coisa a viagem, e outra a pós-viagem. Há quem diga que pensar na viagem que se vai fazer ou lembrar é melhor do que viajar. E tem gente que viaja só para se lembrar da viagem, não por causa da viagem.
Outro dia, peguei por acaso em minha biblioteca Os 100 livros que mais influenciaram a humanidade, e o autor, Martin Seymour-Smith, esculhambando o T. S. Eliot, aquele poeta inglês que ganhou o Nobel. Disse: “T. S. Eliot, um poeta menor e plagiador que já foi considerado grande (o que ansiava por ser), expressou a noção, que é quase um lugar-comum, de que a realidade é desagradável: ‘Os seres humanos não aguentam muita realidade’”.
Proust (dizem), já velho e cansado de tantas festas e devassidão, fechou-se num quarto revestido de cortiça e reinventou a vida que pensou ter vivido. Caiu na real ou caiu na ficção? Tudo aquilo que descreveu é reinvenção da realidade.
Por que a internet faz tanto sucesso? Porque os seres humanos não aguentam muita realidade. E na internet havia aquele jogo, Second life (segunda vida), em que você se inventa por meio de avatares.
Por isso, quando alguém quer chocar ou dar um susto no outro, sempre diz: “Cai na real, cara!”. Adão e Eva foram os primeiros a cair na real e nunca se conformaram.
>> www.affonsoromano.com.br
Não vivem dizendo por aí que os poetas vivem no mundo da lua? Corrijo: todo mundo vive no mundo da lua. O professor, coitado, está ali à frente da classe tentando incutir nos alunos alguns dados que julga serem reais, e os alunos, ah! os alunos, com a cabeça noutros mundos, nefelibatas da eletrônica, ligados no iPhone, no iPad, na balada noturna e no sexo. O sexo, todo mundo sabe, é outra realidade. Atrás da qual se fantasia o tempo todo.
Você acha que essas mulheres nas capas das revistas são reais? Olhem a vida particular delas, vejam as ditas-cujas sem maquiagem, igual à Madonna, no dia seguinte ao show no Rio, lá no subúrbio. Cara lavada, era uma velha e respeitável senhora! Nada da devassa e pornográfica. O palco e o não palco. Tudo é palco. Alguém já disse: casamento é quando você coloca a sua escova de dentes ao lado da escova de sua mulher. Em alguns casos, até a dentadura.
Você acha que o lixeiro vive na real? Recolhendo o que sobra do dia a dia, com o que sonha o lixeiro? Vou lhes revelar: o lixeiro sonha, minha gente, o lixeiro não suporta a realidade. Sonha com outro mundo. Porque a realidade fede. Claro, tem umas flores nos seduzindo por aí. Mas ninguem vive na realidade. Querem saber? Aliás, fantasia também fede. Vejam no que deu a fantasia de tantos, a ideologia nazista e comunista, no que deu a Inquisição. Como os cães, como os milionários, como os santos no deserto cercados de mulheres nuas, o homem e a mulher sonham, porque ninguém suporta a realidade.
Dizia o Rosa, tudo é travessia. Na travessia, o real é brabeza. Perguntem pra Riobaldo e Diadorim como é atravessar o sertão. Já a lembrança é outra coisa: aí a gente refaz o real como gostaria que fosse, ou como acha que ele aconteceu. Peguem o exemplo da viagem: uma coisa é o projeto da viagem, outra coisa a viagem, e outra a pós-viagem. Há quem diga que pensar na viagem que se vai fazer ou lembrar é melhor do que viajar. E tem gente que viaja só para se lembrar da viagem, não por causa da viagem.
Outro dia, peguei por acaso em minha biblioteca Os 100 livros que mais influenciaram a humanidade, e o autor, Martin Seymour-Smith, esculhambando o T. S. Eliot, aquele poeta inglês que ganhou o Nobel. Disse: “T. S. Eliot, um poeta menor e plagiador que já foi considerado grande (o que ansiava por ser), expressou a noção, que é quase um lugar-comum, de que a realidade é desagradável: ‘Os seres humanos não aguentam muita realidade’”.
Proust (dizem), já velho e cansado de tantas festas e devassidão, fechou-se num quarto revestido de cortiça e reinventou a vida que pensou ter vivido. Caiu na real ou caiu na ficção? Tudo aquilo que descreveu é reinvenção da realidade.
Por que a internet faz tanto sucesso? Porque os seres humanos não aguentam muita realidade. E na internet havia aquele jogo, Second life (segunda vida), em que você se inventa por meio de avatares.
Por isso, quando alguém quer chocar ou dar um susto no outro, sempre diz: “Cai na real, cara!”. Adão e Eva foram os primeiros a cair na real e nunca se conformaram.
>> www.affonsoromano.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário