terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Eles dão o tom - Ailton Magioli‏

Wagner Tiso assume direção musical do show Carta de amor, de Maria Bethânia, depois de 30 anos da parceria da cantora com Jaime Alem. Outros profissionais falam sobre a função 

Ailton Magioli
Estado de Minas: 04/12/2012
 Com prazer e um pouco de temor. Assim Wagner Tiso recebeu o convite para fazer a direção musical do novo show de Maria Bethânia, Carta de amor, com o qual a cantora baiana, o maestro mineiro e banda chegam ao Palácio das Artes no fim de semana. “Já fiz música para teatro, mas arranjos e direção de música mais teatral ainda não havia feito”, justifica Wagner, que substitui o paulista Jaime Alem, que ficou 30 anos à frente da banda de Bethânia.

A troca de diretores musicais não é uma prática muito comum entre os medalhões da MPB. Além de Maria Bethânia, Roberto Carlos, por exemplo, é fiel ao maestro Eduardo Lages há três décadas e meia. Chico Buarque trocou Cristóvão Bastos por Luiz Cláudio Ramos em 1989, com quem vem trabalhando em discos e shows. Cristóvão, por sua vez, foi trabalhar com Edu Lobo. Nos bastidores do showbizz tupiniquim circulam histórias divertidas envolvendo diretores musicais, cantoras e cantores. A mais pungente delas, segundo reza a lenda, não por acaso, envolvendo a pimentinha Elis Regina.

Segundo relata Toninho Horta no documentário biográfico A música audaz de Toninho Horta, feito pelo diretor Fernando Libânio em plena turnê do disco Ela, na década de 1970, durante uma apresentação em Limeira (SP), a cantora gaúcha demitiu toda a banda no palco, no encerramento do show. “Senhoras e senhores, quero aproveitar para apresentar e agradecer aos amigos e grandes músicos que me acompanham, já que esta é a última apresentação que faço com a banda, para a qual peço uma salva de palmas”, teria dito Elis, para a surpresa de alguns.

“Na hora, a ficha não caiu de imediato”, recorda o também guitarrista Nelson Angelo, lembrando do fato de que, naquele período, ainda não havia a figura do diretor musical em cena. Nelson Motta (que Elis namorava) escolhia o repertório com ela e os músicos se responsabilizavam pelos arranjos. “Mas houve quem já tocava com ela há mais tempo que não ficou satisfeito com a atitude”, acrescenta Nelson Angelo. 

Toninho Horta diz que, apesar da surpresa, atitudes do gênero acabaram se tornando algo normal. “Afinal, os cantores têm direito de mudar de banda”, justifica o guitarrista, citando como exemplo a saída do maestro Letieris Leite da Orquestra Rumpillezz, da banda da cantora Ivete Sangalo. “Às vezes não dá para prever. Para se tornar diretor musical de alguém há de haver intimidade e parceria”, explica o guitarrista, que teve uma curta experiência na área com Maria Bethânia, além de dirigir orquestras e outros solistas.

Para Jaime Alem fica um pouco difícil falar no assunto, depois da saída recente da banda de Bethânia. “Foi uma relação de 30 anos, que não envolvia apenas o aspecto profissional”, reconhece o maestro paulista. “Claro que posso falar, sem sombra de dúvidas, da escolha muito boa que ela fez para me substituir”, prossegue Jaime Alem, elogiando Wagner Tiso. A necessidade de renovação, na opinião do maestro paulista, é característica do meio e atingiu inclusive ele, que, durante os 30 anos de trabalho ao lado da cantora baiana também teria passado por isso. “Aprendi muita coisa com Bethânia e ela comigo também”, aposta Jaime Alem, lembrando que além de dirigir, Bethânia o teria ensinado a roteirizar shows. 

Harmonias Wagner Tiso lembra que, como Maria Bethânia sabia muito bem o que queria – unir a reconhecida qualidade musical mineira à baiana –, ele se encaixou bem ao trabalho com a cantora no show Carta de amor. “Bethânia trata com muito respeito o trabalho e a carreira. É uma pessoa doce e educada, firme naquilo que quer para seus shows”, elogia Wagner, admitindo ser normal o solista reclamar, apoiar e até sugerir mudanças na direção musical do show.

“Meu objetivo é colorir as ideias de Bethânia”, afirma Wagner Tiso, admitindo que a partir de sua marca registrada – os arranjos, repletos de harmonias que funcionam como contracanto – ele consegue conciliar a mineiridade com a baianidade. Por contrato, ele e Maria Bethânia estarão juntos pelo menos até abril, quando está previsto o encerramento da turnê.

Ao comparar a musicalidade mineira com a baiana, Wagner Tiso lembra da leveza do grupo Novos Baianos, em contrapartida ao peso harmônico do Som Imaginário, que ele integrou. “Em Minas, são as montanhas, a introversão, enquanto na Bahia é a praia, a coisa mais solta, o que acaba refletindo na música’’. 

Antes de Maria Bethânia, o maestro havia trabalhado em discos com os também baianos Gilberto Gil e Gal Costa, com quem fez o disco Acústico. Não por acaso, além de abrir e encerrar o novo show com música de Milton Nascimento (Canções e momentos), Bethânia incluiu as versões instrumentais de Cais e Maria, Maria no intervalo entre o primeiro e o segundo atos. Há quem jure que a intenção dela era também cantar as duas, que, no entanto, não teriam rendido resultado esperado pela cantora e pelo diretor musical.



Ciranda

Jaime Alem foi, por 30 anos, diretor musical de Bethânia, que hoje está com Wagner Tiso, que já trabalhou com Gal e Gil. Cristóvão Bastos toca hoje com Edu Lobo, depois de dirigir musicalmente shows de Chico Buarque, que hoje trabalha com Luiz Cláudio Ramos. Já Toninho Horta, que participou de discos de Chico e Gal, foi músico de Elis Regina, que o demitiu no palco ao fim de uma turnê. Quem não tem do que reclamar é Eduardo Lages, que é diretor musical de Roberto Carlos há 35 anos.

Em clima de colaboração 

Mulheres de Atenas , do disco Meus caros amigos, de 1976, foi o primeiro arranjo completo feito pelo maestro carioca Luiz Cláudio Ramos para Chico Buarque. “Mas desde a época do show de Chico com Maria Bethânia, no Canecão, já trabalhava harmonia com ele”, recorda Luiz Cláudio, no posto de arranjador, diretor musical e maestro do cantor e compositor desde 1989. “A função básica do diretor musical é colaborar, procurar mostrar da melhor forma o que o compositor quer”, diz o maestro, lembrando que alguns dos intérpretes são também compositores.

“Chico é compositor, já Maria Bethânia não”, compara Luiz Cláudio Ramos, que também trabalhou por muitos anos com o Quarteto em Cy. No caso de Chico, ele acredita que tenha havido uma empatia muito grande entre eles. “As nossas cabeças são parecidas. A minha concepção harmônica é parecida com a dele, mas como estudei mais e tenho mais prática com isso, em alguns momentos tento ajudar, dando sugestões”, acrescenta o maestro, lamentando o fato de o músico não ter reconhecimento no Brasil.

“Claro que o diretor musical acaba ganhando maior visibilidade”, reconhece, “mas acho que o ensino da música no Brasil é muito deficiente. Isto é importante nesta nova fase do país, com melhor distribuição de renda. Os maiores incentivadores para a inserção social são a arte e os esportes”, prega Luiz Cláudio Ramos, violonista, guitarrista, compositor e arranjador, irmão do cantor Carlos José, atualmente à frente da Sociedade Brasileira de Administração e Proteção dos Direitos Intelectuais (Socinpro).

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