terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Voluntários que salvam vidas - Tiago de Holanda‏

Para eles não tem tempo ruim ou horário. Seja para combater incêndios ou para prestar os primeiros socorros às vítimas, são pessoas que ajudam apenas pelo prazer de ajudar 

Tiago de Holanda
Estado de Minas: 04/12/2012 0
 Pouco depois das 2h da madrugada, o telefone acordou Raimundo Noronha Filho. Alguém lhe avisou que uma loja de roupas pegava fogo no Centro de Tiradentes, cidade do Campo das Vertentes, a 190 quilômetros de Belo Horizonte. Raimundo, de 51 anos, levantou-se da cama e ligou para os colegas. Em alguns minutos, devidamente uniformizado, o grupo combatia o incêndio usando a mangueira ligada ao tanque de um caminhão. A loja ficou quase totalmente destruída, mas se evitou que as chamas atingissem edificações vizinhas. Às 4h30, Raimundo voltou para casa. Daí a poucas horas, estaria novamente de pé: trabalha como zelador e recepcionista de uma igreja. Como bombeiro, não recebe remuneração. “Fico cansado, mas é o tipo de coisa que a gente faz com prazer”, diz.

Em Minas, centenas de pessoas arriscam suas próprias vidas para salvar as de outros e, além de trabalhar de graça, às vezes ainda gastam dinheiro. Assim como Raimundo, alguns participam de corpos de bombeiros voluntários, que também atuam em salvamentos e inundações. Outros integram equipes que prestam atendimento a vítimas de acidentes em estradas perigosas, como a BR-381. Um terceiro grupo é composto por brigadistas que ajudam a debelar incêndios florestais, em serras e parques do estado. Apesar de agradecer o esforço desses corajosos colaboradores, o Corpo de Bombeiros Militar reclama que parte deles tenta escapar ao controle que os militares, segundo a legislação, devem exercer sobre os voluntários.

Na cidade, os números dos telefones particulares de Raimundo, um dos fundadores e atual presidente da organização, são mais populares que o 193, usado para acionar os bombeiros. Para evitar que o socorro chegue tarde demais, os moradores de Tiradentes, inclusive os policiais militares, costumam chamar antes os voluntários, que estão logo ali.

Quase todo o material usado por Raimundo e seus comandados é doado. O caminhão que carrega a água usada para enfrentar incêndios, por exemplo, chamado de autobomba-tanque, foi cedido pelo governo estadual em regime de comodato. Doado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), um Fusca transporta combatentes até o local da ocorrência. Um caminhonete, também doada pelo governo federal, é usada sobretudo em áreas de floresta. Depois de conseguirem um empréstimo bancário a ser liquidado em várias prestações, os voluntários compraram uma ambulância. Para ajudar nos custos, a Prefeitura de Tiradentes oferece R$ 750 mensais. “Esse dinheiro não é suficiente.”

É comum que os voluntários precisem procurar gente perdida na Serra de São José. Outro problema habitual, especialmente em de dezembro e janeiro, são as inundações causadas pelas chuvas. Uma vez, Raimundo teve que resgatar uma mãe e seus filhos, ilhados em casa, perto do Ribeirão Santo Antônio. “Passava das duas da manhã. Eu e um companheiro cismamos de verificar o local. Quando chegamos, a água já tinha invadido a casa e havia uma correnteza forte do lado de fora. Eles poderiam ter se afogado. Esse caso me marcou, fiquei muito satisfeito”, conta.

No começo, a esposa, Raquel Maria de Souza, conselheira tutelar da cidade, desaprovava a vida atarefada de Raimundo. Acabou tomando gosto pelo negócio e, em 2010, tornou-se voluntária. “Gosto de ajudar os outros, de me sentir útil. Adoro subir serra, apagar fogo”, diz a jovem de 23 anos, em licença-maternidade depois de dar à luz Maria Clara. Outra filha de Raimundo, além de dois genros, é bombeira. O esforço do grupo fez com que, em 1996 e 2004, ele ganhasse um prêmio nacional do Iphan, entre outras razões, pelo “treinamento de voluntários para prevenção e combate a incêndios em centros históricos”.


Como se tornar um
Os bombeiros voluntários em Minas atuam, especialmente, em municípios onde não há a corporação militar. Além de Tiradentes, há grupos em pelo menos cinco cidades: Ouro Branco, Caratinga, Congonhas, Santos Dumont e São Gonçalo do Rio Abaixo. A Sociedade Corpo de Bombeiros Voluntário de Tiradentes, fundada em 1992, conta com 18 pessoas, entre homens e mulheres. O interessado precisa ter pelo menos 18 anos.


Anjos trabalhando no asfalto

Em 2010, em um sábado de carnaval, o técnico em enfermagem Silas Ribeiro Júnior estava de folga do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) de Contagem, mas fazia plantão no grupo Anjos do Asfalto, formado por voluntários dedicados a prestar atendimento pré-hospitalar a vítimas de acidentes em rodovias. Na BR-381, no município de Nova União, Região Metropolitana de BH, um caminhão carregado com cal virgem bateu em um ônibus e alguns carros de passeio, antes de descer um barranco. O motorista ficou preso nas ferragens. “A gente só via o rosto dele. Como eu era o mais magro, fui o único que conseguiu entrar na cabine e dar algum socorro”, lembra, hoje aos 32 anos.

Tudo transcorria relativamente bem, quando surgiu um princípio de incêndio e os bombeiros militares, já no local, lançaram água sobre o caminhão. O líquido provocou o aquecimento da cal virgem, que queimou Silas. “Tive queimaduras nas pernas e nas costas, senti muita ardência”, relata. Mesmo assim, o socorrista não saiu da cabine. “Não quis abandonar o motorista. Nossa maior preocupação era salvar a vítima”, diz. O trabalho de salvamento durou quase duas horas até o motorista, que havia sofrido uma fratura exposta em um joelho, ser retirado das ferragens e transportado até o hospital. “Salvar uma vida não tem preço, é prazeroso demais”, comenta.

Silas é um dos fundadores do Anjos do Asfalto, criado em 2004. Ele se devota tanto ao grupo, que até a esposa se queixa. “Tem dia que saio do Samu e vou direto para o Anjos. Ela fica doida. Em feriado, final de semana, a gente deixa de sair pra eu ir trabalhar”, explica, rindo. O grupo começou com apenas seis integrantes e hoje tem 15. A maioria mora em BH, mas há gente de cinco cidades da Região Metropolitana. Alguns são profissionais da área de saúde, como enfermeiros e técnicos em enfermagem, mas os ofícios são variados, incluindo taxista, bancário, empresário. O presidente, Marcus Campolina, tem 48 anos e é produtor musical de uma dupla sertaneja.

DOAÇÃO Antes de juntarem dinheiro suficiente para comprar dois veículos de trabalho, os socorristas se deslocavam em seus carros particulares. Recebem como doação parte dos materiais que usam, como soro, gaze, ataduras, talas e colar cervical. “Às vezes, o pessoal na rodovia fica admirado de ver o trabalho. Uma vez, um caminhoneiro tirou R$ 200 do bolso e nos deu. Ficamos emocionados”, conta Marcus. Os socorristas também vendem camisetas e bonés. “Tem um posto de gasolina que nos dá 40 litros de combustível por mês, mas às vezes gastamos isso em um só dia. A gente paga a maior parte dos gastos, que somam cerca de R$ 4 mil mensais”, diz.

Em feriados prolongados, a equipe de socorristas costuma chegar de manhã cedo à base de apoio, uma lanchonete no quilômetro 423 da BR-381. É preciso ter estômago forte. “Uma vez, pegamos um acidente com cinco vítimas fatais da mesma família. Ficaram completamente desfiguradas. Um sargento dos bombeiros quase desmaiou”, recorda. O trabalho, porém, é recompensador. “Quando a pessoa envolvida em um acidente vê o socorro chegar, ela expressa um alívio muito grande. A satisfação que sentimos em ajudar é enorme.” 
 Brigadistas lutam pela natureza

Rodrigo Bueno, de 36 anos, também presta socorro, mas às plantas. Ele é presidente da Brigada 1, grupo de voluntários que atuam no combate a incêndios florestais. “É uma atividade sempre muito desgastante, o equipamento que usamos é muito pesado. Precisamos ter excelente condicionamento físico, comparado ao de um atleta”, diz. “Mas a sensação é de realização. A gente se entristece por ver a área verde perdida, mas ficamos felizes em reduzir o prejuízo”, afirma.

A Brigada 1 foi criada com cinco integrantes em 2003, mas hoje conta com mais de 100, espalhados por núcleos localizados em BH, Ouro Preto, São João del-Rei e no Triângulo Mineiro, em Sacramento. Há estudantes e profissionais de várias áreas, como engenharia, geologia, matemática e biologia. “O brigadista tem que gostar muito do meio ambiente, se incomodar em vê-lo ser degradado”, ressalta Rodrigo, arquiteto e proprietário de uma empresa de esportes de aventura. Os equipamentos da organização ficam guardados em dois parques: no Municipal das Mangabeiras, na Região Centro-Sul de BH, e no Estadual da Serra do Rola-Moça, distribuído pela capital e outros três municípios. Também atuam em outras parques, como o Nacional da Serra do Cipó.

É corriqueiro que voluntários passem dias longe de casa, devotados ao combate, manejando pás, abafadores e enxadas, metidos em luvas de couro, coturnos, perneiras, calças, capuzes, capacetes e outros acessórios especiais. “A Brigada não tem carros próprios, só usamos carros particulares. Se somarmos combustível e os outros custos, gastamos em torno de R$ 13 mil por mês”, diz Rodrigo.

Às vezes, os abnegados têm dificuldade em convencer seus respectivos empregadores que faltaram ao trabalho por uma razão maior. “Para provar, temos que ir atrás do Corpo de Bombeiros, do IEF (Instituto Estadual de Florestas), da Fundação Municipal de Parques de BH, de algum órgão que tenha registrado a ocorrência de incêndio e que tenha registrado nossos nomes”, explica o presidente da Brigada 1.

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