terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Augusto de Campos revê trajetória do poeta Decio Pignatari


Inovações de Décio fazem falta à poesia de agora
Augusto de Campos revê trajetória do poeta
AUGUSTO DE CAMPOSESPECIAL PARA A FOLHA de São PauloConheci Décio em 1948. Eu tinha 17 anos e vira, publicado por Sérgio Milliet no "Estado de S. Paulo", um poema dele, "O Lobisomem", que me impressionou muito
Assistindo a uma mesa-redonda sobre poesia no Instituto dos Arquitetos entrei em contato com ele. Décio, Haroldo e eu passamos a nos encontrar semanalmente para discutir poesia.
A época era muito instigante. Era o momento pós-guerra, que nos trouxe a novidade da literatura inglesa, contrariando a tradição brasileira, pautada pela francesa. Floresciam o Masp e o MAM, a Cinemateca, Bienais, nova arquitetura.
Enquanto os intelectuais do primeiro mundo eram basicamente monolíngues e autossuficientes, nós, do 3º, assimilando vários idiomas, fomos devorando tudo e queimando etapas rapidamente com a pretensão de buscar uma síntese fulcrada no critério poundiano da invenção.
Minha edição dos "Cantos", de Ezra Pound, foi adquirida em 1949. Em 1952 já publicávamos a revista-livro "Noigandres", sob o signo de Pound e do trovador Arnaut Daniel, protótipos de poeta-inventor, e conhecíamos o grupo Ruptura dos pintores concretistas.
Era o dado que faltava para completarmos a nossa equação literária, que desembocaria em Mallarmé-Joyce-Pound-Cummings.
Antes de 1956, ano da 1ª Exposição Nacional de Arte Concreta no MAM, já aditávamos à nossa síntese Oswald, João Cabral, Volpi, e mais adiante, quando Haroldo e eu estudamos russo com Boris Schnaiderman, Maiakóvski: "Sem forma revolucionária não há arte revolucionária".
Um dos fundadores da poesia concreta, introdutor da semiótica e da teoria da comunicação em nosso país, Décio é marginalizado pela crítica e pela mídia.
Pode ser, por mais agressivo, menos simpático que os "Campos brothers", mas não lhes é inferior, e nunca foi premiado por nada. Prêmios são muito relativos. Dependem da qualidade da comissão julgadora.
Os poetas atuais -especialmente os que se inclinam para a "logopeia", o que Pound chamava de "dança de palavras no intelecto", exigindo desenvolvimentos fraselógicos- ganhariam muito se conhecessem melhor a poesia pré e pós-concreta de Décio Pignatari, que deu contribuições originalíssimas não só para a poesia visual, mas -o que é menos percebido- para esse tipo de abordagem do discurso poético.
As suas inovações me parecem pouco assimiladas nesse território e fazem falta como "nutrição do impulso" à poesia de agora.

Textos revolucionários do paulista continuam a luzir entre os novos
Sua escrita foi um dos meios pelos quais eu soube que não queria empregar minha vida senão em sempre mais estudar... a poesia
LUIZ COSTA LIMA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Mesmo quando não é repentina, a morte é sempre inesperada. Porque acreditamos que a morte é exclusividade dos outros, temos por certo que os amigos não morrem. Sou por isso surpreendido neste fim de tarde de um domingo abafado com a notícia da morte de Décio Pignatari.
Havia quanto tempo que não o via? Apenas de vez em quando tinha notícias suas, que confirmavam continuar o irreverente que sempre foi.
Corro à estante à procura do poema crítico-visual que marcou minha adolescência. Tenho a sorte de encontrar com rapidez sua coletânea "Poesia pois É Poesia". Não sei se será possível reproduzi-la. Se o for, tanto melhor.
Na dúvida, desdobro-a à minha frente. Reproduz-se a nota de um dólar e, em lugar de o centro ser ocupado por uma figura respeitável da história norte-americana, expõe-se a gravura de Cristo com sua coroa de espinhos.
No verso da nota, aparece o mais inesperado: em vez do nome "Cristo", tinha-se o cifrão de nossa moeda, Cr, seguido pelo cifrão do dólar, com o "S" atravessado por uma barra e, a seguir, "isto".
O nome próprio tornava-se o símbolo de nossa dependência, tornada mais explícita e mais ampliada pela complementação da frase "é a solução". O Cristo atualizado é um Cristo de cifrões.
Não serei desonesto comigo mesmo se disser que a solução crítico-poemática foi uma das minhas primeiras e mais fortes amarras para minhas opções, tanto a política como a profissional.
Como a política? Não é preciso esforço para esclarecer: é suficiente saber que fui o benjamim dos aposentados pelo AI-1, de outubro de 1964.
Como a profissional? Aí sim, será preciso esclarecer: a montagem parodística de Décio foi um dos meios pelos quais soube que não queria empregar minha vida senão em conhecer e sempre mais estudar a poesia.
Imediatamente, à montagem referida aparecia a indicação "stèle pour vivre nº 4", trazendo abaixo "mallarmé vietcong". Seguiam-se as combinações entre texto e imagem -não esqueçamos que Décio foi um dos principais propagadores da semiologia entre nós- que não posso reproduzir.
Delas apenas direi que constituíam uma semiologia que o tempo acabou por desgastar. Acreditávamos que o mundo podia ter outra face e que ela seria modelada pela poesia revolucionária de Mallarmé e pela guerrilha, no caso a asiática.
O tempo se encarregou de mostrar nosso engano e ainda nos concedeu que sobrevivêssemos. Mas, se o vietcong desapareceu, os poetas revolucionários continuaram a luzir entre os novos.
Mas como novos então e agora?! Será ilusório então dizer que ser novo não se confunde com uma etapa biológica? Ao menos, quando o novo se converte em algo, por exemplo em texto, deixa de ser uma exclusividade do biológico. Não é precisamente isso que nos faz pensar no verso do próprio Décio, por mais que fosse parte de um poema intitulado "Epitáfio"?
"Lento e fundo é o ar de tuas tardes nos teus poros".

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