terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Formalismo - Vladimir Safatle


Folha de São Paulo 
A morte de Décio Pignatari nos permite, mais uma vez, lançar luzes sobre o movimento concretista e os desdobramentos da experiência literária nacional. Pois o concretismo parece ter se imposto como o último momento da literatura brasileira a abrir espaço a uma produção capaz de refletir, com grande capacidade especulativa, suas decisões formais e seu lugar histórico.
Servindo de referência não apenas para a poesia, mas também para as artes plásticas e a música, o movimento concretista merece que nos debrucemos mais uma vez sobre ele.
Sua procura em mostrar, como dizia Maiakóvski, de que "sem forma revolucionária não há arte revolucionária", talvez seja uma das expressões possíveis para uma espécie de "programa comum" tão presente nos anos 1950 e 1960 no Brasil e que gira em torno da necessidade de superação do atraso.
O "formalismo" nunca foi alguma forma de pregação autista da autonomia da obra de arte. Jacques Rancière compreendeu isso muito bem quando lembrou que, em toda discussão sobre a autonomia da obra de arte, sempre ressoou a crença em uma comunidade por vir. Crença de que a arte, quando fala de si mesma, pode fornecer os delineamentos de um vínculo social renovado.
Pois esse aparente retorno da linguagem sobre si mesma produzido pela arte é sua maneira de expressar a consciência do esgotamento da força expressiva de nossas convenções, consciência do desabamento do mundo que, até aquele momento, nossa linguagem suportou.
Ninguém mostrou isso de maneira mais bem-acabada do que Mallarmé, não por acaso uma das referências maiores dos concretistas, juntamente com Ezra Pound, Cummings, Maiakóvski e outros.
O mesmo Mallarmé que procurava a força de anulação própria a um poema que não teria mais medo de dizer: "Nada terá tido lugar a não ser o lugar". Ou seja, só flertando com o grau zero que podemos começar a criar.
Que tais preocupações com a forma estética aparecessem no Brasil dos anos 1950, isso deve ser creditado à consciência de que apenas esse retorno à crença na potência disruptiva da pura forma poderia fortalecer as direções de nossa experiência modernista. No fundo, o concretismo sentia a urgência de mudar as estratégias de nossa produção artística, talvez muito voltadas à procura da afirmação de nossa nacionalidade.
Todas essas discussões são, ainda, profundamente relevantes. Como se elas tivessem ficado no ar à espera de um desdobramento, de alguma forma de aprimoramento. Como se algo de nosso país tivesse, por alguma razão bizarra, parado no momento de Décio Pignatari.

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