Alfred Gusenbauer
Como é de costume no início de cada ano, estatísticas e previsões são alardeadas por todos os lados. Por exemplo, em 2016, a China deverá substituir os Estados Unidos como maior economia do mundo. E, em 2040, a população da Índia terá superado a da China, que terá parado de crescer em 2030.
Talvez, a projeção mais assombrosa de todas seja a de que os EUA terão autossuficiência energética em 2035, graças à abundante oferta de gás de xisto de baixo custo de extração e à descoberta de imensas reservas de petróleo pelo país. Apesar da oposição de grupos ambientalistas, essas reservas serão mais fáceis de explorar do que as europeias, por estarem localizadas em áreas pouco povoadas.
Como resultado, a energia será muito mais barata nos EUA do que na Europa ou China no futuro previsível. De fato, a extração do gás de xisto é tão favorável em custos que mesmo o gás americano exportado à Europa custaria 30% a menos do que cobra atualmente a gigantesca petrolífera russa Gazprom.
Embora o peso da política e da economia internacional, assim como o poder de influência, esteja em grande parte se deslocando do Atlântico para o Pacífico, seria um erro subestimar o papel dos EUA na nova ordem mundial. Eles nunca saíram dos holofotes
A energia barata representa um grande incentivo para que indústrias de uso intensivo de energia - desde a siderúrgica e química até a farmacêutica - operem nos EUA. De fato, as reduções de custo na produção industrial nos EUA, aliadas à regulamentação favorável às empresas, o estado de Direito consolidado e a estabilidade política no país, vão eliminar a vantagem competitiva que impulsionou o crescimento econômico da China nas últimas décadas.
Além disso, as universidades dos EUA ainda atraem as mentes mais brilhantes do mundo em muitas áreas, mais notavelmente em ciência e tecnologia. E as outras antigas vantagens do país - flexibilidade, capacidade de renovação, mobilidade econômica, influência na regulamentação internacional e a principal moeda de reserva do mundo - continuam em vigor.
Tendo em vista essas condições favoráveis, os EUA já começaram a "repatriar" sua indústria - processo que, com grande probabilidade, continuará por muitas décadas. À medida que outras economias avançadas se tornam cada vez mais baseadas no setor de serviços, os EUA voltam a se industrializar.
O valor agregado resultante disso vai ampliar a capacidade das autoridades para encontrar soluções de longo prazo para problemas persistentes, como o sistema ineficiente de assistência médica, o ensino fundamental e médio deficiente e as injustiças sociais gritantes. Êxitos nessas áreas amplificariam ainda mais o poder de atração dos EUA como centro industrial.
Como parte do Projeto de Competitividade dos EUA, da Harvard Business School, Michael Porter e Jan Rivkin, divulgaram recentemente um plano de oito pontos1, que poderia ser executado nos próximos dois a três anos. Cada medida proposta foi recebida com amplo apoio bipartidário entre parlamentares (pelo menos a portas fechadas) americanos.
O plano destaca a necessidade de aproveitar as oportunidades possibilitadas pelo gás de xisto e pelas recém descobertas reservas de petróleo. A energia doméstica de baixo custo poderia ajudar a reduzir o déficit comercial, impulsionar os investimentos e reduzir a exposição econômica do país aos instáveis países exportadores de petróleo. Um marco regulatório federal poderia ajudar a assegurar esse resultado e minimizar os riscos ambientais e de segurança relacionados à extração.
Os outros pontos propõem facilitar a imigração de pessoas com alta capacitação, em especial as que se formem em universidades nos EUA; resolver distorções nos investimentos e comércio internacionais; desenvolver uma estrutura mais sustentável para o orçamento federal; simplificar tributos e regulamentações; e iniciar um ambicioso programa de infraestrutura. Com essas estratégias, o presidente Barack Obama conseguiria restabelecer a posição dos EUA como motor da economia mundial.
Colocar as oito propostas em prática também ampliaria ainda mais a desigualdade de riqueza entre EUA e Europa, que cresceu nos últimos 30 anos. Em 1980-2005, a economia dos EUA cresceu 4,45 vezes - nenhuma grande economia europeia chegou nem perto. Em 2011, Noruega e Luxemburgo foram os únicos países europeus com renda per capita nacional maior que a dos EUA em termos de paridade do poder de compra. Em 2040, as populações dos países europeus estarão estagnadas ou encolhendo (com exceção do Reino Unido, que terá população em torno a 75 milhões, comparável à da Alemanha), enquanto os EUA terão crescido das atuais 314 milhões para 430 milhões de pessoas.
As consequências políticas do impulso renovado da economia dos EUA vão reverberar em todo o mundo. Essa consciência já arrefeceu o apoio das autoridades americanas aos levantes da Primavera Árabe: como prova a hesitação de Obama em intervir na Líbia e sua falta de disposição, pelo menos até agora, em envolver diretamente os EUA na sangrenta guerra civil na Síria. Embora a importância histórica da Primavera Árabe tenha sido, de início, comparada à queda do Muro de Berlim, os receios cada vez maiores com a crescente influência da Irmandade Muçulmana vêm obscurecendo o potencial de mudanças na região.
Da mesma forma, embora os EUA não abram mão de seu relacionamento bilateral com Israel, as relações entre o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, e Obama chegaram a seu ponto mais baixo. Nesse contexto, qualquer grande iniciativa americana pela paz no Oriente Médio é improvável no futuro próximo.
Paralelamente, o antigo rival dos EUA, a Rússia está às voltas para retomar sua hegemonia sobre várias das ex-repúblicas soviéticas. E as condições na África e América Latina estão se estabilizando em termos gerais.
As prioridades da política externa americana, em meio a esse quadro, foram direcionadas para a região da Ásia-Pacífico, de onde vêm surgindo os desafios mais prementes em termos de econômicos, políticos e de segurança - incluindo a ameaça dos mísseis norte-coreanos e as crescentes tensões entre a China e seus vizinhos por reivindicações de soberania nos mares da China Meridional e da China Oriental. Em comparação, outros problemas internacionais parecem relativamente menos importantes.
Embora o peso da política e da economia internacional, assim como o poder de influência, esteja em grande parte se deslocando do Atlântico para o Pacífico, seria um erro subestimar o papel dos EUA na nova ordem mundial. Os EUA, na verdade, nunca saíram realmente dos holofotes e vão continuar desempenhando um papel central. (Tradução de Sabino Ahumada).
Alfred Gusenbauer foi primeiro - ministro da Áustria. Copyright: Project Syndicate, 2013.
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