Acervo à deriva
RIO DE JANEIRO - Entre 1967 e 1975, passei três vezes pela "Manchete", como repórter ou redator. Conheci a Redação da rua Frei Caneca e a do Russell. E já contei aqui como nelas trabalhavam alguns dos maiores profissionais da imprensa brasileira. Só não contei que, grandes ou pequenos, todos éramos tratados como seres de segunda classe pelos patrões.As estrelas do império Bloch eram as Rolleiflex e as Hasselblad, as câmeras de que saíam as fotos que se ampliavam nas insuperáveis páginas da "Manchete". Às vezes, um fotógrafo deixava sua máquina em cima de uma mesa. O que aconteceria se alguém esbarrasse e ela caísse e se quebrasse? No mínimo, fuzilamento ao amanhecer -para ambos.
Saí muitas vezes com os fotógrafos de "Manchete", para cobrir de passeatas estudantis ao Carnaval na avenida. Dali a pouco, os 35 mm e 6x6 estavam na mesa de luz de Justino Martins, diretor da revista. Ele escolhia as que sairiam e estas iam para o editor de arte. As demais, para o acervo, onde eram classificadas, protegidas e arquivadas.
Para Adolpho Bloch, só as fotos eram sagradas. Por elas investia-se pesado em câmeras e química de última geração. O próprio acervo era um modelo de controle de temperatura e de luz, para que os negativos e cromos atravessassem a eternidade. Paulinho, um de seus responsáveis, passava mais tempo dentro dele do que com sua família -e adorava o que fazia.
A Bloch faliu em 2000. Desde então, o acervo de 12 milhões de imagens, construído durante 48 anos, andou para lá e para cá. Nenhuma instituição ou empresa gráfica quis comprá-lo. Em 2010, um desconhecido arrematou-o num leilão por reles R$ 300 mil, e o guardou sabe-se lá onde e em que condições ou mesmo se o está comercializando -sem a autorização de seus proprietários morais: os fotógrafos. Nele jaz a história do Brasil.
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