segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Gustavo Patu

FOLHA DE SÃO PAULO

Aqueles
BRASÍLIA - "Senhor presidente: eu não sou daqueles que..."
Numa crônica de Fernando Sabino muito lembrada em aulas e testes de língua portuguesa, um deputado começava assim seu inflamado discurso, mas hesitava na concordância verbal. Daqueles que recusa ou daqueles que recusam?
Para ganhar tempo, a saída foi enfileirar orações. "Não sou daqueles que, neste momento tão grave", "sabendo perfeitamente os imperativos da minha consciência cívica" e por aí foi o político. Até que, pressionado pela hora, teve de concluir. "Em suma: não sou daqueles. Tenho dito."
Em discursos de improviso, Dilma Rousseff também tem o cacoete de intercalar orações antes de consumar um raciocínio. No mais recente pronunciamento de TV, porém, manejou com destreza a concordância ao fazer o seu ataque àqueles.
No caso, "aqueles que foram contrários à redução da tarifa" de energia elétrica e, pior ainda, "aqueles que são sempre do contra". Não foram poupados tampouco "os que não acreditavam que era possível crescer e distribuir renda", "os que não acreditavam que o Brasil virasse um país de classe média" e outros.
Em defesas públicas dos resultados da economia, a agressividade costuma ser inversamente proporcional à convicção. Os pilares de sustentação intelectual e institucional da política da presidente sofreram abalos importantes nos últimos dias.
Economista de maior relevo a apoiar a administração petista, o ex-ministro Delfim Netto mostrou os limites de seu respaldo. Criticou os artifícios para maquiar as contas do Tesouro, a formação de oligopólios e a proteção de determinados setores. Já o Banco Central de Alexandre Tombini divulgou preocupações com a inflação, a escalada de gastos do governo e a escassez de investimentos.
E Dilma parece atormentada tanto por aqueles que recusam o elogio incondicional como por aquele que recusa a condição de ex-presidente.

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