segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Retrato de um artista falsificado [Krajcberg]

FOLHA DE SÃO PAULO

Mercado de arte vê oferta de obras falsas com assinatura de Frans Krajcberg, cuja casa sofreu vários roubos
FABIO BRISOLLADO RIOEm novembro, a galerista carioca Marcia Barrozo do Amaral foi procurada por um colecionador que desejava verificar a autenticidade de uma escultura de Frans Krajcberg antes de assinar um cheque de R$ 150 mil.
Por representar o artista plástico, nascido na Polônia e radicado no Brasil, ela costuma ser consultada por compradores, mesmo quando não participa da negociação.
Duas peças foram apresentadas ao colecionador, para que ele escolhesse. Marcia constatou que ambas eram falsas. E se espantou com a ousadia dos criminosos.
Para convencer o potencial cliente, o golpista apresentou duas declarações onde o próprio Krajcberg supostamente assumia a autoria das esculturas. A Folha teve acesso ao "documento", que traz uma falsificação da assinatura do artista, mas com números corretos de seu CPF e RG.
Anteriormente, a galerista já havia alertado outro colecionador que cogitava comprar escultura semelhante a uma das obras falsas recentemente ofertadas. Mudava apenas a cor, um tom vermelho terra -presente em outras obras do artista.
"Provavelmente, o falsificador teve dificuldade na venda da primeira versão e resolveu pintá-la para tentar negociar novamente", diz Marcia, que divide com a Galeria Sérgio Caribé, de São Paulo, a comercialização dos novos trabalhos de Krajcberg.
A origem das falsificações estaria em Nova Viçosa, município de 38 mil habitantes no extremo sul da Bahia, onde Krajcberg mora desde 1972.
EX-FUNCIONÁRIOS
Em 2011, a polícia prendeu dez pessoas, entre elas três ex-funcionários do artista, acusados de participar em uma série de roubos e furtos no sítio de Krajcberg.
"Quem está produzindo as obras falsas sabe o que faz. É alguém que conhece de perto o trabalho do Krajcberg", diz Marcia, que suspeita da participação de ex-colaboradores do artista na falsificação.
Na semana passada, a galerista recebeu um e-mail com fotos de pinturas que replicam uma série de desenhos com folhas criados por Krajcberg. A vendedora escreveu na mensagem seu telefone de contato, com código de área de Nova Viçosa.
A investigação realizada pela Polícia Civil da Bahia, no entanto, não chegou a uma figura crucial: o responsável por negociar as peças falsas.
"Não identificamos o intermediário", disse o delegado Marcus Vinícius Almeida Costa, que coordenou a equipe envolvida na investigação.
Na época, um dos réus informou o nome do suposto intermediário à promotora Milene Moreschi, do Ministério Público do Estado da Bahia. Foi pedida a quebra de sigilo bancário do suspeito, ainda não concedida.
Não existe investigação em curso atualmente na Polícia Civil da Bahia, seja para identificar o negociador ou para rastrear as falsificações.
"O Krajcberg chegou a falar sobre a falsificação quando investigamos o roubo. Mas ele não indicou uma obra falsa ou alguma pista que pudesse motivar uma investigação", disse o delegado.
Em setembro passado, houve a condenação de nove dos dez acusados presos pela polícia. Os quatro homens envolvidos na invasão da propriedade foram sentenciados a oito anos e oito meses de prisão. Todos estão em liberdade enquanto seus advogados recorrem da decisão.

    Krajcberg diz que denuncia criminosos e não vê reação
    "Não consigo entender por que sou maltratado no Brasil", afirma artista
    Casa em Nova Viçosa foi vítima de sete invasões e governo da Bahia enviou escolta ao local para proteção
    DO RIO
    Polonês naturalizado brasileiro, Frans Krajcberg, 92, passou os dois últimos meses em Paris. Voltou na semana passada e, numa breve passagem pelo Rio, conversou com aFolha.
    "Tenho muita coisa para falar", disse ele, ao chegar a um restaurante na praia do Leme, zona sul carioca.
    Krajcberg queria desabafar. Consagrado por transformar em arte vestígios da destruição da natureza, como madeiras carbonizadas em queimadas, ele fez da causa ecológica uma inspiração.
    Mas a vida em seu paraíso ecológico passou a ser uma relação de amor e ódio.
    No sítio em Nova Viçosa, no sul da Bahia, virou alvo de aproveitadores que invadiram sua propriedade várias vezes nos últimos anos. Teve obras roubadas, perdeu dinheiro e recebeu ameaças.
    Inconformado com a impunidade, Krajcberg denuncia a existência de criminosos na sua região especializados em falsificações de sua obra. E protesta: "Ninguém faz nada contra isso".
    (FABIO BRISOLLA)
    Folha - O senhor já detectou quantas obras falsas, com a sua assinatura, que apareceram no mercado de arte?
    Frans Krajcberg - São muitas, já perdi a conta. É uma vergonha o que está acontecendo. Até a assinatura atrás dos quadros fazem igual. É cada vez mais comum encontrar um catálogo de leilão com uma obra falsa assinada por Krajcberg. É escandaloso.
    O senhor procurou polícia para denunciar as falsificações?
    Já falei, mas nada foi feito. Soube de obras falsas sendo vendidas em São Paulo. Existe um homem suspeito de levar minhas obras de Nova Viçosa para lá. Mas não vou citar nomes. A polícia é quem deveria investigar isso.
    Por que Nova Viçosa?
    Acredito que todas as falsificações saem de lá. Cheguei a ter dez funcionários auxiliando nos meus trabalhos. Alguns acabaram roubando obras, dinheiro... Agora estão aproveitando a experiência nas falsificações. Hoje, tenho apenas dois funcionários.
    Quantas vezes sua casa foi alvo de furtos e roubos?
    Sete vezes. Perdi dinheiro, além de trabalhos meus e de outros autores. Tinha um belíssimo [Marc] Chagall, que ganhei do próprio. Era meu amigo. Morei por três meses na casa dele. Também tinha um desenho do alemão Willi Baumeister, meu professor. Tudo roubado. É muito triste.
    Na última invasão (em julho de 2011), o senhor foi refém dos criminosos...
    Estava deitado na cama quando quebraram a janela. Entraram no meu quarto e perguntaram pelo dinheiro. Eram três. Um deles apontou uma arma para minha cabeça e avisou que, se eu fugisse, atiraria. Fui com eles até outra casa, onde guardo obras. Lá havia uma bolsa com dinheiro, que eles levaram.
    O governo da Bahia designou escolta para protegê-lo. Eles não perceberam a invasão?
    Tenho segurança dia e noite. Os policiais circulam pelo sítio o tempo todo. Estão sempre perto de mim. Mas daquela vez não viram nada.
    O senhor tem medo de morar em Nova Viçosa?
    Não tenho medo. Passei quatro anos na guerra. Como posso ter medo depois disso?
    Pensa em se mudar para outra cidade?
    Minha história está em Nova Viçosa. No ano passado, fui visitar o Oscar Niemeyer no hospital. Ele me disse: "Já te falei, não pensa na sua idade, pensa em trabalhar." Mas não tenho idade para recomeçar em outro lugar.
    O senhor acha que merecia mais atenção das autoridades brasileiras?
    Acabo de voltar de Paris, onde recebi uma bela homenagem da prefeitura. Eu tenho um espaço em Montparnasse para guardar minhas obras, que acaba de ser ampliado pelo patrocinador.
    Por isso, não consigo entender por que sou tão maltratado no Brasil, o país que escolhi para viver. Falsificam meus trabalhos e ninguém faz nada contra isso. É uma vergonha um país como o Brasil deixar isso acontecer.

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