segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

'País do Desejo' recorre a gênero difícil para tratar de aborto e amor proibidoCr

FOLHA DE SÃO PAULO

CRÍTICA DRAMA
Hesitações tiram a força de melodrama de Paulo Caldas
'País do Desejo' recorre a gênero difícil para tratar de aborto e amor proibidoCr
INÁCIO ARAUJOCRÍTICO DA FOLHACom "País do Desejo", Paulo Caldas realiza uma interessante inflexão em sua obra. Tematicamente, troca o campo e a cidade nordestinos (e até o exterior) de "Deserto Feliz" por lugares imaginários como Eldorado e Pasárgada.
Formalmente, passa do drama (e ante cangaço e documentário) ao melodrama, onde inscreverá o destino errante de seus personagens.
Há, para começar, uma pianista (Maria Padilha) que sai de Eldorado, mitológico local latino-americano (e glauberiano), para tocar na não menos mitológica Pasárgada, a terra ideal de Bandeira.
Ela tem a saúde frágil, o que a obriga a dolorosas sessões de hemodiálise. Ainda assim vai a Pasárgada, onde o padre Fábio Assunção sustenta, contra o arcebispo local, o aborto legal a que se submete uma menina de 12 anos, violentada por um tio. O arcebispo excomunga a menina, a mãe e o médico.
Este começo é forte, pois caracteriza o projeto: um melodrama, antes de tudo um exercício de "mise-en-scène". O desafio, porém, é pesado, pois o melô é exigentíssimo.
Uma pianista doente dos rins, que desmaia enquanto toca para uma plateia semideserta numa noite chuvosa? Lembra filme da Vera Cruz... E há ainda a garota que, após a excomunhão, senta diante da igreja e abaixa a cabeça como se cogitasse se matar.
Tudo nessa parte da ficção é frequentado pela iminência da morte, como se as vidas estivessem suspensas por um fio, prontas a desmoronar.
É a primeira metade do filme, bem mais forte que a segunda, quando as duas histórias se encontram e o padre sente-se atraído pela mulher.
Quando se fala na exigência do melô é porque o gênero não suporta erro. Pede uma exatidão da direção de atores que Caldas parece atingir com Padilha; já a interpretação de Assunção tem altos e baixos (em parte devidos a diálogos sofríveis).
Mais delicadas são as questões de roteiro: o sumiço de uma personagem, amiga da pianista, é a mais evidente.
O amor proibido parece se ressentir de um investimento total: o desmedido do amor é tratado com prudência, quando talvez fosse mais efetivo se acompanhado de adesão da "mise-en-scène" ao gesto.
Como o melô não perdoa tais hesitações, frustra em certa medida o projeto, onde no entanto há momentos como a soturna e memorável cena em que um grupo canta parabéns a uma morta-viva. Cenas de excesso e insânia assim merecem ser vistas.

    Glauber Rocha e Stanley Kubrick foram inspiração
    DE SÃO PAULO
    A partir de temas como arte, ciência e religião, o cineasta Paulo Caldas, 48, construiu em "País do Desejo" uma espécie de fábula moderna, que se passa em lugares fictícios (Eldorado e Pasárgada).
    "Quis contar uma história universal. Esses temas formam a base de todas as sociedades", diz.
    Além das referências a Glauber Rocha e Manuel Bandeira, outras influências inspiraram o diretor.
    A fotografia teve como base o trabalho do mexicano Gabriel Figueroa, fotógrafo de filmes de John Ford e Luis Buñuel.
    De Stanley Kubrick, que costumava explorar um gênero diferente a cada filme, Caldas tirou a inspiração para mudar a temática e o estilo neste longa.
    "Meus filmes de ficção anteriores ["Baile Perfumado", de 1997, e "Deserto Feliz", de 2007] eram ligados à realidade, ao sertão nordestino. Tentei me descolar disso. O que me interessa é surpreender o público."

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