segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Locais que guardam a memória dos tensos anos da ditadura militar se perdem em São Paulo

folha de são paulo

Escombros da repressão
DE SÃO PAULOA torre em que a presidente da República ficou presa virou pó. A placa que lembrava a morte do guerrilheiro foi arrancada na calada da noite. O quartel-general da tortura teve as paredes pintadas e reabriu como delegacia.
Enquanto a Comissão da Verdade investiga em Brasília os crimes da ditadura militar (1964-85), São Paulo vê desaparecer grande parte dos locais que guardam memórias da repressão.
Um arco de pedra na calçada da avenida Tiradentes, perto da entrada do metrô, é o único vestígio do lugar onde ficaram presos cerca de 300 militantes de diversas organizações da luta armada.
Dilma Rousseff passou quase três anos na ala feminina, conhecida como Torre das Donzelas. Demolida em 73, a prisão foi tema de livro, mas sua antiga entrada não tem sequer uma placa para lembrar o que aconteceu ali.
Na rua Pio XI, na Lapa, não sobrou nem a porta da antiga casa 767, onde três dirigentes do PC do B foram mortos a tiros de metralhadora em 1976. O episódio ficou conhecido como Chacina da Lapa.
A alameda Casa Branca, nos Jardins, chegou a ganhar um monumento no lugar em que a ditadura matou o líder da ALN (Ação Libertadora Nacional), Carlos Marighella, em 4 de novembro de 1969.
Após protestos de militares, vândalos arrancaram a placa que homenageava o guerrilheiro. Hoje o episódio só é lembrado por estudantes, que volta e meia colam um adesivo com a inscrição "alameda Marighella" numa das placas da rua.
Na rua Tutóia, no Paraíso, um antigo QG da tortura segue de pé como delegacia. O prédio do 36º DP foi sede da Oban (Operação Bandeirante), depois rebatizada de Doi-Codi. Lá teriam sido mortos 46 prisioneiros políticos, segundo historiadores.
Ex-presos querem que o edifício seja tombado para a construção de um memorial, mas o pedido está parado no Codephaat, o órgão estadual de patrimônio histórico.
"Aquele lugar precisa virar um símbolo da luta contra a tortura. Este não é um assunto do passado, e sim do presente no Brasil", afirma o pesquisador Ivan Seixas, uma das vítimas da Oban.
Outros locais associados à repressão em São Paulo ainda permanecem envoltos em mistério, como a fazenda 31 de Março, no extremo sul da região metropolitana. Na propriedade, batizada com a data do golpe militar de 1964, funcionou uma base extraoficial da repressão.
"Até hoje não se sabe quantas pessoas morreram ali", diz a museóloga Katia Felipini.
O Memorial da Resistência, que ela coordena, é uma exceção. Ao ser aberto, em 2002, recuperou a história da antiga sede do Deops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social), na Luz.
No térreo, é possível visitar celas que receberam presos políticos.
O memorial prepara um mapa da repressão na capital paulista, que já tem mais de cem locais. A meta é conclui-lo até o fim de 2014.

    ECOS DE 1964
    Mapa da repressão e de conflitos na cidade de São Paulo durante a ditadura militar
    CHACINA DA LAPA
    Uma casa na rua Pio XI servia de aparelho (esconderijo) da cúpula do PC do B, responsável pela Guerrilha do Araguaia. Em 16 de dezembro de 1976, policiais invadiram o local e mataram dirigentes do partido
    CASSETETES NO CAMPUS
    "Comícios, passeatas e qualquer tipo de ato público estão proibidos". Assim o coronel Erasmo Dias anunciou a invasão da PUC em setembro de 1977. Cerca de 700 estudantes foram presos
    O APARELHO DA ALN
    Apartamento próximo ao Dops era um dos esconderijos da direção da Ação Libertadora Nacional. Lá os militares prenderam, em 1969, Virgílio Gomes da Silva, o primeiro desaparecido da ditadura
    BATALHA NA RUA
    Palco da batalha que opôs estudantes da USP, de esquerda, e do Mackenzie, de direita, em 3.out.68.
    A briga deixou dezenas de feridos e um morto. O então líder estudantil José Dirceu participou do confronto
    A PRISÃO DE DILMA
    Presídio Tiradentes, onde a presidente Dilma Rousseff cumpriu pena por quase 3 anos. A prisão foi demolida em 1973: só resta seu pórtico, o "Arco do Presídio", tombado pelo patrimônio histórico
    O EPICENTRO DA REPRESSÃO
    Ex-sede da Oban (Operação Bandeirante), principal centro da tortura da ditadura militar e depois rebatizada de DOI-Codi. Dilma ficou presa lá. Hoje a área pertence à 36ª DP
    A MASMORRA DE FLEURY
    Ex-sede do Dops, chefiado pelo delegado Sérgio Fleury. Hoje abriga o Memorial da Resistência e preserva uma cela que foi usada por presos políticos
    CERCO CONTRA MARIGHELLA
    Local em que agentes do Dops montaram o cerco no qual foi
    morto Carlos Marighella. Uma placa colocada no lugar foi arrancada
    OCULTAÇÃO DE CADÁVERES
    Aberto em 1971, o cemitério Dom Bosco, em Perus, foi usado para sepultar como indigentes os corpos de presos políticos mortos sob tortura. Os primeiros restos mortais de militantes foram identificados em 1991. A repressão também enterrou vítimas no cemitério de Vila Formosa
    JULGAMENTO DE CRIMES POLÍTICOS
    O prédio da Justiça Militar onde eram julgados presos políticos hoje está fechado. Há uma tentativa da Comissão da Verdade da OAB-SP de transformá-lo num memorial dos advogados que atuaram sob a ditadura
    VIOLÊNCIA NO TEATRO
    Quando terminou a sessão da peça Roda Viva, de Chico Buarque, em 18 de julho de 1968, o teatro foi invadido por 110 integrantes do CCC (Comando de Caça aos Comunistas). Eles agrediram 19 atores

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