MARCOS VALDIR SILVA
Não à internação involuntária e compulsória
Não aceitamos a higienização como medida de combate ao uso de drogas, sem que antes se invista em saúde, assistência social e moradia
Há um ano, o governo do Estado de São Paulo iniciou operações na região da capital conhecida como cracolândia para reduzir o número de usuários de crack que circulam diariamente no local. As medidas resultaram basicamente no deslocamento dos usuários, que se espalharam pelas imediações, ocupando ruas dos Campos Elíseos, de Santa Cecília e do Bom Retiro.No início de 2013, o governador Geraldo Alckmin anuncia sua medida extrema: a internação involuntária e compulsória de dependentes químicos que se drogam nas ruas da capital.
Higienização é a forma mais clara e objetiva de denominar tal medida. O Estado "despoluirá" o centro, realizando a internação, sem garantir de fato um atendimento digno dentro dos preceitos do SUS. Para tal, seria necessário ter locais adequados, com técnicos munidos de infraestrutura e médicos preparados. Também seria preciso conversar com o usuário, para que se entenda o seu caminho com o uso da substância, devendo construir um plano de trabalho dele juntamente com a família e a sociedade.
Não é possível aceitar a internação involuntária ou compulsória como a principal estratégia para o enfrentamento do uso de drogas nas ruas da capital.
A política pública do Estado não pode retroceder ao confinamento, como forma de "tratamento", após décadas da reforma psiquiátrica e luta antimanicomial conquistada pelos movimentos sociais brasileiros e ainda em consolidação. O Conselho Regional de Serviço Social de São Paulo (Cress-SP) se posiciona totalmente contrário à medida, salvacionista, preconceituosa e criminalizadora, que avilta os direitos humanos.
Hoje deverá ser iniciada a ação que internará à força usuários, sem que antes tenham sido feitos investimentos públicos em propostas de atenção básica à saúde, assistência social, opções de geração de renda e moradia para essa população em risco social, principalmente ações concretamente voltadas aos dependentes químicos.
A mesma "vontade política" do governo do Estado para a proposta de internação, prisões e intervenções militares nessa expressão da questão social deveria estar presente em serviços públicos na área da assistência social e na saúde coletiva no centro da cidade de São Paulo.
Aliás, quem são os especialistas nessa área que estão "assessorando" o governo? Será então essa "a" resposta pública que juízes, Ministério Público e médicos têm a propor?
Teremos que reconstruir instituições e manicômios para engrossar as novas modalidades de aprisionamento em São Paulo. Parece ser a solução mais prática e fácil e não a mais humana, social e garantidora de direitos e serviços de qualidade.
A questão vem sendo analisada em uma perspectiva moralista e conservadora. Efetivar ações que atendam a essas demandas exige a implementação de várias políticas públicas intersetoriais, que atuem em uma rede de atenção integral.
Não foram realizadas discussões sobre a medida. ONGs, profissionais da área e dos serviços municipais e estaduais e demais organizações não debateram a saúde dos usuários envolvidos. O processo não está sendo democrático.
Diante desse cenário, destaca-se a necessidade da ampliação do debate sobre o uso de drogas na realidade brasileira, na sua relação com a desigualdade social, reforçando a luta em defesa aos direitos humanos. A condição dos usuários de drogas não retira dessas pessoas o direito à autonomia e a uma vida plena de realizações.
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