segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Familiares de viciados já buscam internação à força

FOLHA DE SÃO PAULO

Programa para facilitar medida compulsória começa hoje em São Paulo
Centro recebeu muitos telefonemas e governo já espera alta demanda; juiz fará plantão para analisar os pedidos
GIBA BERGAMIM JR.DE SÃO PAULOO programa de internação compulsória de viciados em drogas, do governo do Estado, começa hoje em São Paulo com expectativa de filas por causa da alta demanda de familiares em busca de tratamento forçado a parentes que não largam o vício.
Folha esteve nos últimos dias no Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas do Estado), no Bom Retiro, onde haverá um juiz, um promotor e um integrante da OAB para definir a necessidade de internação.
Ouviu de funcionários que, durante a semana passada, muitos parentes de viciados em crack entraram em contato. "Eles telefonaram para saber quando o juiz vai estar aqui. Só hoje [anteontem] foram cinco telefonemas", disse um funcionário à reportagem.
O governo estadual diz que tem capacidade para atender a demanda e que há cerca de 700 leitos no Estado para isso. O viciado pode, por exemplo, ser levado para ser internado em outro Estado.
A internação compulsória está prevista na lei de psiquiatria. Para que ela ocorra é necessário que um médico assine um documento indicando que o usuário precisa ser internado, mesmo contra a vontade. A Justiça decide se isso deve ou não ser feito.
A criação do programa para esse tipo de medida ocorre um ano depois de uma intervenção policial na região da cracolândia, que visava coibir o tráfico e tentar levar usuários a tratamento. Não surtiu efeito - a venda da droga persiste e as ruas seguem tomadas por usuários.
PROTESTO
Um protesto organizado por meio de um fórum no Facebook acontecerá hoje em frente ao Cratod.
Entre os apoiadores da manifestação está padre Julio Lancelloti, defensor dos direitos dos moradores de rua.
"A internação compulsória é considerada o último recurso. É a exceção e não pode virar regra", disse. O padre questiona se há capacidade para atender todos.
Ele, que se reuniu com entidades de atendimento a viciados durante a semana, disse que o temor de todos é o mesmo. "O que a gente prevê no dia 21 (hoje) é um número muito grande de mães querendo a internação involuntária dos filhos", disse.
Na involuntária, um parente vai a um centro de atendimento e pede a internação. Um promotor tem 72 horas para analisar o caso, sem a necessidade de juiz. É diferente da compulsória, que depende do aval de médicos e que passará pelo magistrado, mesmo sem aval da família.
OUTROS PAÍSES
Segundo Ronaldo Laranjeira, professor titular de psiquiatria da Unifesp, a internação compulsória é bastante aplicada no interior de São Paulo - a medida foi usada em 50% dos internos da clínica Bairral, em Itapira (a 164 km de São Paulo), diz ele.
A internação contra a vontade do dependente é comum na Europa e nos EUA. "Na Suécia, por exemplo, 30% das internações são involuntárias, lá chamadas de coercitivas. Tecnicamente falando, a experiência é boa, mas precisa haver estrutura para atender a demanda", disse ele.
Laranjeira diz que, na Inglaterra, onde trabalhou, após um médico decidir pela internação compulsória, uma comissão de especialistas é acionada para endossar ou não a necessidade.
O psiquiatra Elko Perissinotti, do Hospital das Clínicas, teme que a medida possa se mostrar inócua.
Segundo ele, o índice de recuperação é muito baixo, não chega a 2%. "Muitos autores dizem que após o uso contínuo, a pessoa pode se tornar dependente crônica. Mesmo após um diagnóstico de suposta 'cura', a pessoa tem recaídas e volta para o mesmo estágio em que estava antes", afirmou.

    Juiz diz que internará só em caso de risco
    Samuel Karasin, um dos que analisarão pedidos para internação, afirma que vai ouvir viciados antes de decisão
    Segundo magistrado, internação compulsória só será utilizada em dependente que estiver 'muito debilitado'
    FABIANA CAMBRICOLIDO “AGORA”Ouvir, sempre que possível, o viciado antes de tomar a decisão. Negar, quando não houver necessidade de internação, o pedido feito pela família do dependente.
    É o que promete fazer Samuel Karasin, um dos dois juízes que a partir das 9h de hoje farão plantão no Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas), no Bom Retiro (centro de São Paulo), para autorizar ou não pedidos de internação compulsória de dependentes químicos.
    O plantão foi criado por meio de uma parceria entre o governo do Estado, Tribunal de Justiça, Ministério Público Estadual, OAB-SP e Defensoria Pública.
    Segundo o magistrado, a internação só será autorizada se o viciado oferecer risco a si próprio ou a terceiros, como quando estiver com a saúde debilitada ou ameaçando matar alguém. Nos demais casos, o tratamento previsto em lei é o ambulatorial.
    "[Quando não houver o risco] Eu vou negar e acabou. A lei tem uma diretriz muito tranquila. Internação não é depósito", afirmou.
    Karasin disse que a internação involuntária só é usada nos casos em que a pessoa perdeu qualquer condição de ficar sozinha.
    "Eu sei que a família se desespera, mas não é só a questão do vício que está em jogo, é se ele está correndo risco ou não. É para ele se curar do surto, sair do risco e voltar numa condição melhor para o tratamento", afirma.
    A legislação a qual o juiz se refere é a lei 10.216, que prevê que a internação "só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes."
    LAUDO DIVERGENTE
    Para que a internação seja autorizada, será obrigatório um laudo médico atestando tal necessidade. Apenas o atestado, porém, não é suficiente para que o juiz autorize a medida. "Não é o médico que decide, tem que ouvir a defensoria, alguém pode trazer um laudo divergente. Sempre que possível, pretendo ouvir também o dependente", diz Karasin.
    Juiz há 15 anos, metade deles na Vara da Infância e Juventude de Osasco (Grande São Paulo), função que desempenha até hoje, Karasin vai estar ao lado de outro juiz da mesma área, Iasin Issa Ahmed, no plantão do Cratod.

      ONG conveniada defende busca voluntária por ajuda
      AFONSO BENITESMARLENE BERGAMODE SÃO PAULOElizeu Dias, 37, foi traficante em Vitória (ES) por 14 anos. Tinha 11 bocas de fumo e um lucro mensal de cerca de R$ 30 mil. Ele usava crack.
      Janaína Ramos, 26, foi, por quase uma década, usuária de cocaína e álcool em São Paulo. Caminhava pelas ruas da região central em busca da droga e sempre foi arredia a tratamentos.
      Na última sexta-feira, o grupo de agentes em que Elizeu e Janaína agora trabalham foi o responsável por dar uma nova chance para o dependente químico Jeferson Lima, 29.
      A equipe da ONG Missão Belém convenceu o usuário de crack a se internar pela nona vez. "Se eu não for internado agora, vou voltar para lá", disse Jeferson apontando para a direção da multidão de viciados que se aglomerava na cracolândia, nas proximidades da estação Júlio Prestes, na região central da cidade.
      Após firmar um convênio anual de R$ 4 milhões com o governo estadual, a Missão Belém iniciou um trabalho de tratamento de dependentes.
      Desde o dia 3 de dezembro, cerca de 50 agentes já conseguiram encaminhar 400 viciados da cracolândia para serem tratados em uma das 113 casas da entidade.
      Todos foram internados voluntariamente. Ou seja, convencidos pelos agentes - ex-usuários de drogas- a receber o tratamento.
      Como falam a mesma "língua" dos viciados e, vez ou outra, chegam a dormir com eles nas ruas, os agentes conseguiram estabelecer uma relação de confiança.
      "É um trabalho de paciência e perseverança", afirmou o padre Gianpietro Carraro, idealizador e coordenador-geral do projeto.
      Nesta segunda-feira, dia 21, as equipes da ONG terão um novo desafio: provar para os viciados que não vão interná-los à força. Isso porque vai começar o programa de internações compulsórias feito pelo governo estadual.
      "Vai ficar mais difícil para nossa abordagem", reclamou Elizeu, livre das drogas e do tráfico há sete anos e hoje coordenador de campo na região da cracolândia.

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