Chavismo sem Chávez?
Socialdemocracia do século 19 na Europa e populismo na América Latina têm o mesmo papel histórico
O chavismo resistirá à morte de Chávez? Analistas europeus e americanos tendem a achar que não, ao passo que na América Latina os comentaristas se inclinam pela permanência. Por que a diferença? A resposta se encontra na divergência de experiências com líderes carismáticos.O problema desses líderes, dizia Max Weber, reside em que o carisma é pessoal e não se transmite. Alguns populistas em países avançados chegaram a conquistar quase 14% em eleições (o ex-governador de Alabama George Wallace) ou como Poujade ou Le Pen ameaçaram transtornar o equilíbrio político da França. Em nenhum caso, porém, alcançaram o poder e depois de pouco tempo se evaporaram.
Já Vargas no Brasil, Perón na Argentina e Haya de La Torre no Peru continuaram a pairar sobre a política décadas após a morte. O caso brasileiro talvez seja único.
Aqui a eficácia eleitoral do partido fundado pelo antigo chefe, o PTB e suas ramificações, só se esgotou quando um líder popular mais novo como Lula ofuscou o brilho dos herdeiros diretos.
Na Argentina, onde nunca surgiu um sucessor à altura de Perón, sua herança se revelou tão avassaladora que hoje praticamente nenhum partido ou grupo pode aspirar ao poder se não se proclamar peronista, ao menos de boca.
Na América Latina, como já se observou, o populismo desempenhou o mesmo papel histórico encarnado na Europa do século 19 pela socialdemocracia: o de servir de canal para a ascensão das massas populares surgidas da urbanização e da industrialização.
A lealdade a movimentos como o peronismo não é muito diferente da fidelidade que os assalariados europeus demonstraram até data recente pelos partidos socialistas que os representavam.
Seria, portanto, arriscado subestimar o potencial de sobrevida do chavismo mesmo sem Chávez. Isso não quer dizer que os sucessores não venham a enfrentar derrotas por faltar o carisma, o gênio tático do fundador ou por efeito da desorganização da economia. Os altos preços do petróleo possibilitaram ao chavismo beneficiar as maiorias; a incompetência e o desperdício, no entanto, esticaram a corda até perto da ruptura.
A afirmação de um novo ator social e político sempre provoca desestabilização, pois se faz à custa de posições e privilégios de outros. Seu caráter mais ou menos violento ou penoso depende da capacidade desses outros em acomodarem o inevitável. Na Venezuela, o processo tem sido mais polarizado e radicalizado que no Brasil, mas no fundo o desafio é o mesmo.
Nada pode deter por muito tempo os setores emergentes que aspiram por reconhecimento da própria dignidade e melhoria tangível nas condições de vida.
Mais determinante do que as pessoas dos líderes e seus carismas, é a necessidade histórica e a base social que sustentam tais movimentos. Getúlio, Goulart, Brizola, Lula passam, da mesma forma que Perón, Evita, Chávez: o que permanece é uma exigência de ascensão dos que eles bem ou mal representam.
Pode-se não gostar desses líderes, mas se os novos atores populares se identificam com eles e não com os partidos que antes governavam, de quem é a culpa, das maiorias ou dos partidos que não souberam canalizar suas aspirações?
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