sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Filme convencional, "O Lado Bom da Vida" vibra graças aos atores

folha de são paulo

CINEMA
CRÍTICA COMÉDIA
Indicado a oito Oscar, longa se entrega a um romantismo banal, mas explora ao máximo a capacidade de seu elenco
CÁSSIO STARLING CARLOSCRÍTICO DA FOLHA
A ASTÚCIA CONSISTE EM BANALIZAR A PERTURBAÇÃO, TRAZER O DISTÚRBIO PARA O COTIDIANO
Para um filme de amor dar certo, antes bastava juntar um cara carente e uma garota bonita, às vezes solitária, ou vice-versa, temperar com um pouco de dificuldades e, pronto, funcionava a receita de abraços e beijos na medida para suprir nossa fome de afeto.
"O Lado Bom da Vida" mostra que aquela fórmula não foi superada, mas exige um pouco mais de amargor.
Agora o príncipe é maníaco-depressivo e a princesa, ninfomaníaca, depois de viverem perdas que justificam a descompensação. Nada muito grave, apenas o bastante para fazê-los parecidos com gente como a gente.
A astúcia da adaptação para o cinema do best-seller de Matthew Quick consiste em banalizar a perturbação, trazer o distúrbio para o cotidiano, afastando-o da experiência de exceção.
Afinal, hoje, quando qualquer melancoliazinha já vira depressão, não conseguimos definir os limites onde começa e acaba a tal normalidade.
Ou seja, o que Pat (Bradley Cooper) e Tiffany (Jennifer Lawrence) entregam de cara ao público é um espelho, uma afeição imediata garantida pelo sentimento de quem reconhece: "Pô, eu já vivi isso!".
O diretor David O. Russell, que se destacou no terreno do cinema indie nos anos 1990, aproveita esse tipo de projeção com ângulos sempre muito próximos, íntimos mesmo, dos corpos.
A imagem, em formato scope, absorve ainda mais o olhar, que fica imerso em constantes closes, sem ter para onde escapar, refém da desorientação de Pat e Tiffany.
A instabilidade da câmera na mão, mais que repetir o estereotipado efeito de realismo, serve para enfatizar o distúrbio, captar a turbulência de afetos.
Tais supostas liberdades de estilo, no entanto, não trazem nada de novo ou original nem oferecem respiro para o convencionalismo, que se impõe a partir do momento em que o filme se entrega a um banal romantismo.
A vantagem é que "O Lado Bom da Vida" de fato vibra graças aos atores, explora ao máximo a capacidade deles de alcançar veracidade ou exibir histrionismo.
Enfim, um filme que todo mundo quer ver na temporada de prêmios e torcer pelo triunfo de seus intérpretes na noite do Oscar.

    Favorita ao Oscar, atriz mergulha em personagens
    MARIANE MORISAWACOLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE LOS ANGELESEm "O Lado Bom da Vida", Jennifer Lawrence é Tiffany, que está acostumada a usar o sexo para aplacar a dor da perda do marido e se aproxima de um homem bipolar.
    A americana de 22 anos parece muito jovem para representar uma viúva, mas isso não importa, tão convincente é a interpretação.
    "Quando atuo, tento me livrar de todas as 'jenniferices' e mergulhar no personagem, mesmo que não tenha nada a ver comigo, como era o caso aqui."
    Jennifer é favorita a levar o Oscar de melhor atriz, em sua segunda indicação -a primeira foi por "Inverno da Alma", de 2010.
    "Vou estar mais tranquila, sabendo o que esperar. Ou pelo menos mais bêbada", brinca Jennifer.
    Seu jeito sem frescura aparece na maneira como fala. "Não tenho controle sobre o que sai da minha boca. Vocês jornalistas gostam disso, mas minha assessora de imprensa, não."
    Ela não se importou com as maneiras diretas do diretor David O. Russell.
    Durante um monólogo da atriz, o cineasta era capaz de bufar e soltar um: "Nossa, está muito ruim!".
    "Eu amo que ele não tenha rodeios. Não gosto de ouvir que estou fazendo certo, prefiro saber o que estou fazendo de errado para poder consertar", diz.
    Ser considerada a nova sensação do cinema americano, seja o independente, como "O Lado Bom da Vida", ou o hollywoodiano, como na série "Jogos Vorazes", não chega a abalá-la.
    "É como se fosse um emprego das 9h às 17h. Eu vou, faço meu trabalho e volto para casa."
    Mas, diz ela, o olhar das pessoas mudou. "Elas me veem de forma diferente, o que me faz sentir estranha. Mas tudo bem: é o preço para fazer o que amo."

      Romance foi comprado para o cinema antes de ter editora
      Livro de Matthew Quick enaltece finais felizes e ironiza Kenny G
      RAQUEL COZERCOLUNISTA DA FOLHA
      O potencial cinematográfico de "O Lado Bom da Vida", de Matthew Quick, foi descoberto antes de o livro conseguir editora nos EUA.
      Em 2007, a obra estava sob cuidados de uma agência literária contratada por Quick. Fora vendida só para a Itália quando o autor recebeu a ligação de seu agente de cinema (ele nem sabia que tinha um), avisando que a Weinstein Company queria os direitos.
      Foi uma volta por cima e tanto. Quick fora por anos a fio um frustrado professor de inglês. A mulher, exasperada com tanto lamento, deu o ultimato que poucas dariam: ou ele abria mão da estabilidade para investir no sonho literário ou ela o deixava.
      "O Lado Bom da Vida" virou best-seller nos EUA e, antes da estreia do filme, já estava bem posicionado nas listas nacionais. Um final feliz como os que Pat, o protagonista, e Quick, o autor, gostam.
      "Quando eu era professor, um pai de aluno me ligou dizendo que os livros que líamos em aula eram ruins para seu filho, que sofria de depressão. Passei a pensar se isso faria mal a jovens mentes."
      Pat, o bipolar que quer ser alguém melhor para reconquistar a ex-mulher, passa o livro estarrecido com os finais tristes de obras como "Adeus às Armas", de Hemingway.
      Isso dá a dica de como terminará sua própria história, embora, como diz Quick, "o final do filme seja um pouco mais feliz que o do livro."
      Após muito reescrever o roteiro, o diretor David O. Russel decidiu puxar para o início do filme um mistério que Quick segura por quase todo o livro: o motivo do fim do casamento de Pat. "Admiro a adaptação. Mas, é claro, espero que leiam o livro antes."
      O filme também devolveu a Stevie Wonder um carma que no livro acabou ficando com Kenny G: o de fazer Pat ter ataques de fúria toda vez que uma música sua toca.
      Quick não conseguiu autorização para usar no livro uma letra de música de Wonder. A mulher sugeriu que a substituísse por "Songbird", que não tem letra. "A ideia de uma música do Kenny G torturando Pat nos fez rir tanto que fui em frente com isso."

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