sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Barbara Gancia

FOLHA DE SÃO PAULO

Admirável mundo novo, uai?
Quem passou por uma depressão, ainda que leve, pode contar os benefícios da compensação química
Assim que a minha compa­nheira de horário começou a ler a notícia na Bandnews FM, eu comecei a soltar faísca: "Brasileiros usam mais tranquili­zantes do que europeus, aponta pesquisa da Proteste". Veja se eu posso: "O resultado de pesquisa conduzida em cinco países verifi­cou que brasileiros demonstraram uso crônico significativamente mais alto principalmente de anti­depressivos".
E daí? Quem disse que a frase "Os brasileiros demonstraram uso crô­nico significativamente mais alto principalmente de antidepressi­vos" tem necessariamente uma co­notação negativa?
E se a gente olhasse por outro prisma e visse que somos mais abertos às novidades da ciência do que os arremedos de ostrogodos, capadócios e etruscos que ora habi­tam o continente europeu?
A tal pesquisa alerta para o fato de que 47% dos brasileiros chegam a fazer uso de ansiolíticos e antide­pressivos. Meu Deus, mas isso só pode ser uma notícia maravilhosa!
Veja: 40 milhões de tapuias não têm acesso a água potável e 75 milhões não têm esgotos coletados. Se me­tade da população agora pode com­prar medicamentos para tratar da psique, isso quer dizer que estamos ricos, não? Ora, não tenho culpa se os europeus preferem passar sem dormir. Minha situação já resolvi, pois meu sono me faz mais falta que os males que o re­médio pode causar. Mesmo se de manhã eu não lembre meu nome ou onde estou e se agora tenha per­dido o fio da sequência de pensa­mento que ia encadear a seguir.
Ah, sim, lembrei! Ia pinçar aqui mais uma frase contida na brilhan­te e abrangente reportagem sobre a pesquisa da Proteste e suas conclu­sões que, obviamente, não cami­nham no mesmo sentido de ne­nhum grupo ou sindicato do de­simportante mundo da indústria que lida com fármacos e os agentes que gravitam ao seu redor não só no Brasil como no mundo.
A ela: "O uso destes medicamen­tos está associado a indivíduos com estilo de vida pouco saudável, que sofrem de insônia, são fumantes, sedentários, estressados, portado­res de ansiedade ou depressão". É para bater palmas agora ou só de­pois de tomar meu ansiolítico?
Ainda bem que os brasileiros se­dentários, estressados e que não conseguem levar uma vida saudá­vel encontraram um meio para não se jogar do viaduto do Chá, não é mesmo? Graças a Deus que a evolu­ção da ciência hoje oferece a essas pessoas que se sentem deslocadas (ou seja, quase todos nós que sofre­mos da angústia de ter nascido) maneiras de sobreviver ao dia, dor­mir e chegar ao dia seguinte. Isso deveria ser considerado um verda­deiro milagre. Quem passou por uma depressão, ainda que leve, po­de dizer os benefícios da compen­sação química.
Mas por que colocar os europeus como paradigma? Se eu for imitar europeu, vou passar a semana sem tomar banho. Já viu como o garçom reage quando você pede um refri­gerante light na Itália ou na Fran­ça? Camarada tem ataque de riso na sua cara. Tente pedir um café com adoçante na Alemanha. Você terá de ir buscar o aspartame no su­permercado da esquina.
Podendo, europeu não consome "industriali­zados" e não gosta de ir ao médico. É um asceta. Não é o consumista descarado, modelo Orlando feito a gente, que está indo na onda de ver até sem-teto fazer check-up no Fleury -mais um índice no IDH que sobe. Chupa David Cameron!
É evidente que uso indiscrimina­do e dependência são indesejáveis.
Mas algum Taleban, naturalista, militante do oxigênio puro, antitransgênico, ciclista radical vai vir me ensinar a viver a vida? Vai?

    Nenhum comentário:

    Postar um comentário