sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Ruy Castro

FOLHA DE SÃO PAULO

Vida do crack
RIO DE JANEIRO - Tarde desta quarta-feira. O ônibus do Botafogo segue pela avenida Brasil rumo ao estádio de Moça Bonita, em Bangu, onde, dali a pouco, o alvinegro carioca enfrentará o Audax, clube de São João de Meriti, recém-promovido à divisão principal do Campeonato do Rio. Entre os jogadores está o surinamês Seedorf, quatro vezes vencedor da Liga dos Campeões da Europa e tricampeão mundial de clubes.
Aos 36 anos, em grande forma, rico, independente e realizado, Seedorf podia escolher onde quisesse para jogar seu futebol. Escolheu o Brasil, o Rio e o Botafogo. Gosta de nós, é casado com uma carioca, fala perfeito português, e por que não vestir a camisa que, um dia, foi de Heleno, Garrincha, Didi, Nilton Santos, Amarildo, Zagallo, Gerson, Jairzinho e Paulo Cesar?
Bem, segue o ônibus pela avenida que não por acaso se chama Brasil. Na altura do bairro de Ramos, os jogadores do Botafogo e todos que passam de carro se defrontam com uma dura realidade brasileira: as centenas de dependentes de crack à beira da rodovia. Alguns, agarrados ao único bem material que possuem: um cobertor -além, claro, do indispensável cachimbo. Um deles veste uma camisa do Botafogo. Uma camisa 10. A de Seedorf.
Seedorf viu bem o miserável que o tem como herói. O pobre diabo pode ter visto o ônibus do Botafogo, mas não se sabe se viu Seedorf na janela. A cena foi relatada ontem pelo portal "Lance!Net", infelizmente sem o nome do repórter.
O craque Seedorf tem escolhas e as exerce. Já o "Seedorf" do crack não sabe mais o que é escolher. Não sabe, aliás, nem quando, por quanto ou de onde virá o próximo cachimbo. O que lhe cair às mãos é para ser convertido em droga. Comer, dormir, viver, nada disso interessa. E não mora na cracolândia porque quer, mas porque não pode passar nem um minuto sem crack.

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