Investir em biocombustíveis é chave para
que o Brasil dê um salto de qualidade na produção de energia
sustentável. Curso para formar doutores aposta em mais eficiência
tecnológica
Lilian Monteiro
Estado de Minas: 25/03/2013
Em
tempos de pré-sal e de um Brasil autossuficiente em relação à produção
de petróleo, desde 2006, a discussão sobre a importância dos
biocombustíveis tem andado em marcha relativamente lenta. No entanto, a
preocupação ambiental e o fato de o combustível fóssil ser finito
levanta a questão sobre a relevância de se investir em salto de
qualidade tecnológica na área de energia sustentável. O Brasil, de 1975 a
1989, teve o Programa Nacional do Álcool (Proálcool ) para coordenar e
estimular a produção e o uso do etanol carburante, e mostrou o poder e a
expertise do país para gerar uma fonte de energia alternativa.
Com
o know-how brasileiro foram construídas destilarias, as quais
transformaram o excedente da produção de cana-de-açúcar em etanol,
hidratado e anidro. O anidro é hoje usado como aditivo na gasolina, sem
necessidade de qualquer modificação nos motores dos veículos. Na época,
em meio à crise do petróleo, o Proálcool fez diminuir a dependência das
importações, além de favorecer a indústria açucareira, pela alternativa
da produção, depois da queda do preço do açúcar, em 1974.
“O
problema é que, de 2000 até agora, o volume produzido de etanol evoluiu
lentamente, sendo superado pelos Estados Unidos (veja gráfico), que,
hoje, produz o dobro do Brasil", destaca o professor José Domingos
Fabris, vice-coordenador do programa de pós-graduação em biocombustível
da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), em
Minas Gerais.
Para suprir demandas nessa área, que exige
conhecimento avançado e especialistas com know-how em pesquisa e
desenvolvimento, a UFVJM, em Diamantina, e a Universidade Federal de
Uberlândia (UFU) estão oferecendo o primeiro curso de doutorado em
biocombustível do Brasil. O programa de pós-graduação também inclui o
mestrado acadêmico, que é mais comum no país. A iniciativa é um sopro a
mais na área científica, na medida em que vai formar talentos para
desenvolver pesquisas necessárias para o avanço da tecnologia.
José
Domingos e o coordenador do programa, Alexandre Soares dos Santos,
exaltam a iniciativa das duas universidades (UFVJM e UFU), que surgiu de
uma extensão dos trabalhos de pesquisa e cooperação entre elas. “O
Brasil tem abundância de luz, calor, terra e água e pode produzir muito
biocombustível líquido (biodiesel mais etanol)”, destaca José Domingos. O
curso vem justamente para ajudar a preencher o vazio existente de
desenvolvimento científico e tecnológico para a cadeia de produção de
biocombustível.
Na avaliação de José Domingos, é urgente que o
investimento em biotecnologia não fique vinculado à cana-de-açúcar e
encontre alternativas no amido (mandioca, batata, beterraba, inhame
etc.) e na celulose (o chamado etanol de segunda geração, produzido a
partir de material celulósico, como madeira e restos culturais
agrícolas, ou resíduo da linha industrial, como palha e bagaço de cana
ou capim), além do desenvolvimento de processos tecnológicos
industriais, fundamentais para baixar o custo da produção.
“O álcool
de celulose é uma grande saída. O entrave é a falta de domínio
suficiente de etapas críticas da tecnologia, na escala industrial. É
importante investir e valorizar a pesquisa.” No entanto, José Domingos
reconhece o impasse. “Não é fácil formar um acervo adequado de
conhecimentos que levem rapidamente a tecnologias inovadoras para a
indústria dos biocombustíveis. Qualquer avanço mais significativo requer
investimento contínuo em pesquisas, científica e tecnológica,
acompanhado por formação de especialistas para começar a trabalhar
produtivamente. E isso leva tempo”, pontua. Segundo ele, antes da época
do Proálcool, já existiam as usinas de açúcar, que foram aproveitadas
para também produzir o etanol. “No caso da cana-de-açúcar, há um sistema
agrícola funcionando. De qualquer modo, a matéria vegetal precursora
dos biocombustíveis vem da agricultura empresarial ou familiar. É mais
complexo do que a produção do petróleo, por ter mais variáveis em jogo”,
acrescenta.
A principal questão é que “os biocombustíveis
disputam os mesmos materiais precursores dos alimentos humanos. A
máquina mecânica e biológica (humana) necessita de combustíveis, para
realizar funções muito parecidas em seus efeitos, como movimentar-se ou
tracionar objetos. E ambas dissipam calor”, lembra o vice-coordenador da
pós-graduação. A época é relevante para a discussão da ampliação da
produção de biocombustíveis. Ela vem atrelada a outra discussão
internacional sobre a mudança do clima e a tentativas do aumento da
produção de energias renováveis, com consequente diminuição de emissão e
do acúmulo, na atmosfera, do dióxido de carbono liberado por
combustíveis fósseis, como o petróleo ou o carvão. Como o Brasil
apresenta condições naturais (luz, calor) favoráveis aos
biocombustíveis, é preciso que tome a frente para se tornar, no futuro,
líder seja do biodiesel ou do etanol no mercado internacional. "A
competitividade é a garantia de futuro para o Brasil, nesse setor
energético."
MINAS Para abarcar todas essas questões nasceu o
programa bi-institucional de pós-graduação, constituído por associação
ampla entre a UFVJM e UFU, inicialmente recomendado com conceito 4 pelo
Conselho Técnico-científico da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (Capes), em sua 134ª reunião, em março de 2012. O
objetivo é formar recursos humanos qualificados para multiplicação e
aplicação de conhecimento relacionado à área. Além de estimular o
desenvolvimento de pesquisas e tecnologias para a produção de
biocombustíveis, bioenergia e insumos químicos derivados de biomassa
verde.
O programa, por sua aproximação com a pesquisa
tecnológica, tem como principal repositório de desafios acadêmicos e
tecnológicos as demandas em energia. Por razões de inserção geográfica e
pelo destacado potencial na produção de biocombustíveis, no cenário
nacional, Minas será importante foco de ações. O estado é hoje o segundo
maior produtor de cana-de-açúcar do Brasil e tem recebido investimentos
vultosos para a expansão da área canavieira. Desde 2008, Minas
ultrapassou o Paraná em área de cana-de-açúcar colhida e se mantém em
segundo lugar (São Paulo lidera), até os registros de 2011 (veja
gráfico).
Nesse cenário, a UFVJM, com área de abrangência nos
vales do Jequitinhonha e do Mucuri e no Norte do estado, e a UFU, com
atuação no Triângulo Mineiro, dispõem de campo de trabalho abundante no
contexto das biomassas energéticas. Sem falar do diversificado parque
industrial mineiro, também rico em setores que demandam pesquisa e
desenvolvimento na área de energia da biomassa. No Norte de Minas, em
Montes Claros, a Usina de Biodiesel Darcy Ribeiro, a maior do estado, é
foco de disseminação e promoção de atividades agroindustriais, voltadas
para os biocombustíveis.
O Triângulo Mineiro concentra várias usinas
sucroalcooleiras e outras tantas de biodiesel. Minas tem se preparado
para receber indústrias de biorrefinaria e biotecnologia, e muitas
empresas, de capital nacional ou estrangeiro, vislumbram o estado como
local adequado para instalação de empresas de base tecnológica,
principalmente relacionadas com os setores de alcoolquímica,
sucroquímica, oleoquímica, e mesmo a implantação de tecnologias
emergentes, como o etanol de segunda geração.
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