BRUNO ROMANI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
No dia 31 de março de 1998, um grupo de funcionários da Netscape Corporation, então uma gigante dos navegadores de internet, passou a desenvolver um pacote de programas cujo código fonte, principal pilar de um software, podia ser acessado por qualquer um.
- Nem todo projeto de código aberto é mesmo aberto, diz fundadora da Mozilla
- Análise: Código aberto deu liberdade ao usuário, mas tem problemas
O projeto recebeu o nome de Mozilla, uma brincadeira com as palavras "Mosaic" (um dos primeiros navegadores de web) e "killer" (matador).
Era o início de uma nova forma de pensar a tecnologia, que ainda hoje gera debates acalorados entre os ativistas do software livre.
Ao completar 15 anos, aquilo que se tornou uma empresa sem fins lucrativos ainda se esforça para levar software sem restrições e sem cobranças por parte de grandes empresas da tecnologia a um número maior de pessoas.
Editoria de Arte/Folhapress | ||
Há dez anos, nove entre cada dez internautas do mundo navegavam pela rede usando o Internet Explorer. Era o auge da Microsoft nesse mercado. Seu principal concorrente, o Netscape, estava esmagado.
Parecia ser a supremacia definitiva do IE quando a AOL comprou a Netscape Corporation e decidiu acabar com o projeto Mozilla, que acabou virando uma fundação independente e criando o Firefox.
A raposinha começou a ganhar adeptos e abriu as portas para uma nova geração de programas do tipo, como o Chrome e o Safari. No último mês de fevereiro, segundo a consultoria NetApplications, o mercado de navegadores para computadores tradicionais ainda mostrava o Internet Explorer (55,82%) à frente, seguido pelo Firefox (20,12%). Já segundo a StatCounter, o líder é o Chrome (37,1%), com o IE atrás (29,8%).
Hoje em dia, a Mozilla se concentra naquilo que considera um duopólio de plataformas fechadas: o mercado de sistemas operacionais móveis, dividido entre o iOS, da Apple, e o Android, do Google.
Para isso, trabalha no Firefox, uma plataforma aberta para smartphones baratos. Huawei, LG, Sony e ZTE são alguns dos fabricantes que devem lançar aparelhos equipados com ele.
E, como já fez com os navegadores, a raposa pode liderar uma nova geração de sistemas operacionais móveis, concorrendo com nomes como Sailfish, Tizen e Ubuntu.
Para o consumidor final, projetos de código aberto são importantes: eles garantem que mais pessoas acessem programas e aplicativos sem botar a mão no bolso.
ENTREVISTA
Nem todos os projetos de código aberto são abertos
Para Mitchell Baker, fundadora e presidente da Mozilla, a diferença está em como os programas são desenvolvidos
(BRUNO ROMANI)
Uma de nossas filosofias é que a competição é uma coisa boa: dá poder de escolha aos consumidores e incentiva os participantes [do mercado] a fazer o seu melhor. Somos também muito focados na interoperabilidade entre diferentes produtos ou entre diferentes versões de produtos. O lado ruim da competição é que cada empresa constrói sua própria coluna vertical. Em um cenário desses, se você escolher um único aspecto da coluna, um dispositivo, por exemplo, tudo relacionado a ela já foi decidido por você. E você não pode mudar isso. Se existem muitas empresas com esse modelo, o sistema fica travado. Esse tipo de competição fragmentária é muito difícil.
PROJETOS "ABERTOS"
Código aberto pode significar coisas diferentes. Na definição mais limitada, técnica e legalista, significa que o software está disponível sob uma licença que foi aprovada como de código aberto. Quase sempre, "aberto" e "código aberto" significam algo maior, que inclui o método de produção -do qual a Mozilla é uma forte defensora, e o Android, não. Nosso método de desenvolvimento é totalmente aberto. Isso não acontece apenas no sentido de você poder ir à internet e ler o que acontece. Você pode participar das discussões, desenvolver lideranças e criar o trabalho que acabamos compartilhando. Ficamos gratos por isso, porque diferentes perspectivas são necessárias para a criação de uma plataforma forte. Então, quando olhamos para outros projetos de código aberto, vemos só licenciamento. Nossa relação com esses projetos é...[pausa longa] de respeito sobre o fato de que, em algum momento, o código deles pode estar disponível sob uma licença aberta.
ATRAIR MÃO-DE-OBRA
A filosofia de design é importante. O produto que você está construindo é importante. Muitos desenvolvedores são atraídos por um produto e o seu impacto -querem trabalhar em um projeto que as pessoas estão usando para valer. Vimos bastante isso no Firefox. É importante também o que você quer dizer com "aberto". Licenciamento aberto é uma coisa, e desenvolvimento aberto é outra. Se o que mais empolga o mercado é a parte fechada do que você faz, isso pode ser desencorajador [para quem cria]. Desenvolvedores se interessam pela maneira que um projeto funciona. Alguns gostam de estruturas organizacionais. Outros preferem liberdade total. Algumas coisas que fazemos no Firefox têm partes altamente estruturadas. Onde podemos oferecer espontaneidade? Nas extensões do Firefox há uma forma de agradar quem quer trabalhar separadamente e fazendo seus próprios horários. O que mais atrai? Liderança, a tecnologia central dos seus projetos e as oportunidades de negócios. No nosso caso, o fato de não termos fins lucrativos atrai. Você pode ter código aberto e ser financiado por investidores, que esperam retorno. As pessoas que nos apoiam esperam retorno, mas não monetário. Elas querem mais abertura, interoperabilidade e segurança para os usuários.
MUNDO MÓVEL
A estrutura da indústria móvel é problemática para diversos participantes. Existem pessoas de todos os lados tentando inovar, criando a terceira ou quartas camadas da experiência. Você tem Apple, Google... Além disso, existem novos participantes, alguns mais fechados em termos de inter-operabilidade. O Ubuntu utiliza o kernel do Linux, mas tem uma tecnologia e metodologia de aplicativos específica, então é uma mistura. A indústria está sob pressão enorme, e os desenvolvedores estão lutando contra duas plataformas que têm muito código específico. Em tempos difíceis, as mudanças estão na periferia da indústria.
RAIO-X FUNDAÇÃO MOZILLA
Origem Em 31 de março de 1998, a Netscape criou um projeto, batizado Mozilla, para criar uma versão de código aberto do seu navegador de internet
Sede Mountain View, Califórnia
Receita US$ 163 milhões, em 2011
Membros 40 mil pessoas, incluindo funcionários e voluntários, colaboram com seus projetos
Principais produtos Firefox (navegador), Thunderbird (cliente de e-mail) e Firefox OS (plataforma móvel)
ANÁLISE
Código aberto deu liberdade ao usuário, mas tem problemas
ANDREWS FERREIRA GUEDISESPECIAL PARA A FOLHAO código aberto é o resultado da inquietação de desenvolvedores, algo que propiciou liberdade de escolha a pessoas e empresas. É uma das mais importantes contribuições sociais que a área da tecnologia já recebeu dos seus profissionais até hoje.O movimento "open source" consegue reunir centenas de programadores de todos os lugares do planeta que, insatisfeitos com as atuais e caras opções, se juntam para criar alternativas e projetos públicos, muitas vezes sem fins lucrativos.
Um dos grandes marcos desse mundo é o domínio que a Microsoft tinha sobre os navegadores antes de a bolha da internet explodir, cenário mudado pelo surgimento do Firefox, da Mozilla.
Foi tal pontapé que permite, hoje, que empresas com poucos recursos se mantenham usando software livre e que governos usem tecnologia de ponta gratuita.
Mas, apesar de diversos pontos positivos, projetos baseados em código aberto enfrentam problemas. Um deles é o abandono por parte de seus criadores, desestimulados com a falta de incentivo financeiro: existe muita mão-de-obra, mas pouco dinheiro e investimento, já que as fundações dependem principalmente de doações e contribuições de entusiastas.
E quem sofre é o usuário.
Usar código aberto significa, normalmente, baixar sem adquirir serviços ou suporte.
Assim, sistemas que usam código fechado possuem melhor atendimento dedicado ao consumidor final, além de oferecer as tradicionais garantias de uso e correções de defeitos que possam surgir.
Outro ponto delicado do código aberto é que, livre para tantas modificações e intervenções de terceiros, acabam sendo criadas muitas versões de um mesmo produto. E, com isso, o projeto final corre o risco perder o foco inicial e tornar um concorrente de si mesmo, causando confusão ao usuário.
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