segunda-feira, 25 de março de 2013

Luli Radfahrer

folha de são paulo

O fim do smartphone


Há duas décadas um celular era considerado excentricidade nerd. Hoje quem não tem um deles é exótico. Misto de computador de bolso e máquina de entretenimento, o smartphone é de longe o dispositivo eletrônico mais popular, pouco importa a renda de seu usuário.
Na África, onde alguns modelos são vendidos por cerca de US$ 10, há países com mais celulares do que privadas. Para aproveitar o canal de comunicação, governos e ONGs os utilizam para transmitir informações diversas, como medidas para a prevenção contra a Aids e malária, previsão do tempo, técnicas de plantio e preços de mercado para a agricultura. Por questões de segurança, há uma grande quantidade de transações financeiras feitas através deles, para evitar o transporte de dinheiro.
Mesmo assim a farra do smartphone dá sinais de estar chegando a seu final. O crescimento no mercado de aparelhos de ponta deve diminuir para 10% a 15% nos próximos dois anos, contra 50% a 100% do passado.
Na China, que deve se tornar o maior mercado de smartphones do mundo, com 170 milhões de unidades vendidas, novas marcas como Xiaomi têm especificações parecidas com as do Galaxy S3, da Samsung, e do iPhone 5, da Apple, vendidos à metade do preço.
O problema com os smartphones é que eles são, como os PCs de antigamente, genéricos demais. À medida que o software e o uso se especializam, o aparelho como o conhecemos não consegue mais dar conta das demandas. Por mais que a ficção científica continue a mostrá-los daqui a um século, dificilmente se carregará um retângulo de vidro no bolso nos próximos anos.
Poucos fabricantes parecem se dar conta dessa estagnação. Restrito a uma tela e um teclado, o usuário de hoje ainda se comporta como um zumbi, andando cego, curvado sobre sua telinha brilhante. Os modelos mais novos prometem pouco mais do que telas maiores, teclados mais eficientes, conexão e processamento mais rápido e baterias mais longevas. A falta de criatividade é tamanha que um dos maiores sucessos nos lançamentos deste ano foi um aparelho à prova d'água. Não há mais o fascínio provocado pelo StarTAC, o N95 ou o primeiro iPhone.
O resultado é um tédio, que leva a uma deterioração na demanda. Para que comprar todo ano um telefone que faz o mesmo milhão de coisas que meu tablet faz?
Novos protótipos tentam reavivar o mercado antes que seja tarde. Apple e Samsung apostam em versões do telefone no relógio de pulso, incorporando ao telefone pedômetros e monitores de atividade e saúde. Microsoft e Google apostam em óculos com informações contextuais e camadas de realidade aumentada. Uma coisa é certa: a caixinha multifuncional está com os dias contados.
A tecnologia digital está finalmente chegando ao estágio em que aprende com seu usuário, em vez de demandar dele um aprendizado. Assistentes virtuais como Siri e Google Now logo eliminarão a necessidade de texto nos celulares, facilitando seu uso em óculos, brincos, tiaras e braceletes. É o primeiro passo na direção de seu desaparecimento, sua transformação em serviços como o são as operadoras de telefonia.
Um dia tais itens estarão por toda parte, realizando praticamente qualquer tarefa cotidiana. Antes que esse dia chegue talvez seja bom considerar a queixa que há 160 anos Henry David Thoreau fazia em seu livro "Walden", lamentando que as pessoas tinham se tornado ferramentas de suas ferramentas.
Luli Radfahrer
Luli Radfahrer é professor-doutor de Comunicação Digital da ECA (Escola de Comunicações e Artes) da USP há 19 anos. Trabalha com internet desde 1994 e já foi diretor de algumas das maiores agências de publicidade do país. Hoje é consultor em inovação digital, com clientes no Brasil, EUA, Europa e Oriente Médio. Autor do livro "Enciclopédia da Nuvem", em que analisa 550 ferramentas e serviços digitais para empresas. Mantém o blog www.luli.com.br, em que discute e analisa as principais tendências da tecnologia. Escreve a cada duas semanas na versão impressa de "Tec" e no site da Folha.

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