Morre aos 89 anos o compositor e zoólogo
Paulo Vanzolini, autor de Ronda e Volta por cima. Reconhecido como
cientista, ele teve scanções gravadas por Chico Buarque e Maria Bethânia
Ailton Magioli
Estado de Minas: 30/04/2013
Morreu
na noite de domingo, em São Paulo, o compositor e zoólogo Paulo Emílio
Vanzolini, aos 89 anos. Ele estava internado com quadro de pneumonia
desde quinta-feira, no Hospital Albert Einstein. Paulo era doutor em
samba. Mas foi também doutor em zoologia, título conferido por Harvard,
uma das mais conceituadas universidades do mundo. Gostava de dizer que
fazia música por hobby, que não tocava nenhum instrumento e que demorava
até um ano para dar um samba como completo. Deixou alguns clássicos da
música brasileira, como Ronda, Samba erudito, Praça Clóvis e Volta por
cima. Ele faria um show na sexta e no sábado no clube Casa de Francisca,
no Jardim Paulista, com acompanhamento de sua companheira, a cantora
Ana Bernardo, e de amigos como o violonista Ítalo Perón e o pianista e
cartunista Paulo Caruso. Celebraria os seus 89 anos, completados no dia
em que foi internado. Deixa mulher, a cantora Ana Bernardo, e cinco
filhos do primeiro casamento.
A dupla militância de Paulo
Vanzolini – no samba e na ciência – fez dele referência nos dois campos.
Como zoólogo, foi pesquisador do Instituto de Zoologia, herpetólogo
(especialista em répteis) e professor emérito da Universidade de São
Paulo. Foi o autor da lei que criou a Fundação de Amparo à Pesquisa do
Estado de São Paulo (Fapesp). O médico e escritor Dráuzio Varella foi
seu aluno na USP e cientistas do quilate de Ernest Mayr e Aziz Ab’Saber
foram seus amigos. Em 1993, depois de três décadas como diretor do Museu
de Zoologia, aposentou-se compulsoriamente, mas continuou trabalhando
de segunda a sábado na instituição. Em 2012, ganhou prêmio da Fundação
Conrado Wessel por sua produção científica.
Se na carreira
científica conquistou reconhecimento dos pares, na música popular se
tornou um dos mais respeitados compositores do chamado samba paulista.
Ronda, samba-canção que ele considerava piegas, é tido por muitos como
um hino de São Paulo e foi citada em Sampa, de Caetano Veloso. A
primeira gravação, feita por Inezita Barroso, é de 1953, sete anos
depois de composta. Além de abrir portas, a música deu a Paulo Vanzolini
trânsito entre compositores e artistas de várias gerações, inclusive
Chico Buarque, que gravou duas canções no primeiro disco com músicas de
Vanzolini, Onze sambas e uma capoeira, lançado em 1967. Só em 1979 ele
registraria de própria voz suas canções em Paulo Vanzolini por ele
mesmo. Entre os intérpretes que gravaram canções do compositor estão
Paulinho da Viola, Maria Bethânia, Nora Ney, Angela Maria, Monica
Salmaso e Ney Matogrosso.
Vanzolini foi parceiro de Eduardo
Gudin, Elton Medeiros, Toquinho e Paulinho Nogueira, entre outros.
Começou a compor seus sambas tipicamente paulistanos ainda no início dos
anos 1940. Nos anos 50, se tornaria amigo de outro ícone do samba
paulista, Adoniran Barbosa, e, mesmo com muitas promessas, não chegaram a
compor juntos. A obra de Vanzolini é relativamente pequena – pelo menos
a parte que o autor deixou vir à tona: é composta de aproximadamente 65
canções. Delas, 52 podem ser conhecidas nos quatro CDs da caixa Acerto
de contas, que a gravadora Biscoito Fino lançou em 2003. No mês passado,
Vanzolini foi um dos 87 artistas a se apresentar em evento no Teatro
Oficina para arrecadar fundos para reformar e ampliar a Casa de
Francisca, pequena casa de shows paulistana. Também em março, recebeu o
Prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) pelo conjunto da
obra.
“Tudo o que ele fez foi muito benfeito. Vanzolini era detalhista, crítico e sério”
>> Carlinhos Vergueiro, compositor
“A entonação da fala virava melodia. O que fazia era a integração de melodia e letra”
>> Luiz Tatit, compositor e escritor
“Um zoólogo dedicado à profissão, que acabou apaixonado pelo Brasil profundo”
>> Mônica Salmaso, cantora
A voz das ruas
Publicação: 30/04/2013 04:00
Um dia antes de
Vanzolini ser internado, Carlinhos Vergueiro, de 61 anos, foi buscar a
neta Catarina, de 10, na escola de dança, e surpreendeu-se, de repente.
“Eis que em meio às músicas eruditas e semieruditas do ensaio, tocaram
Ronda”, emociona-se o cantor e compositor, amigo pessoal de Vanzolini,
para o qual ficou de ligar, posteriormente, contando a passagem.
O
compositor paulistano acabou não ficando sabendo que a neta do amigo
dançava balé ao som de sua música, clássico dos clássicos da MPB.
“Vanzolini era um grande letrista, um grande cronista. Ele era hábil na
coisa”, elogia Carlinhos Vergueiro, lembrando que, amigos e boêmios, os
dois frequentavam muito a noite. “Vanzolini era amigo de meu pai e de
meu ex-sogro Antonio Candido”, recorda o cantor, discípulo assumido de
Adoniran Barbosa, Cartola e Nelson Cavaquinho, além, claro, de
Vanzolini.
“Inteligente, Paulo Vanzolini improvisava muito bem.
Ele era adepto do repente, também”, acrescenta Vergueiro, emocionado com
a perda do amigo. “Tudo o que ele fez foi muito benfeito. Vanzolini era
detalhista, crítico e sério”, chama a atenção Vergueiro, lembrando que o
autor de Ronda demorava, mas caprichava nos versos. Toada do Luiz, que
gosta de emendar com Volta por cima, são alguns dos clássicos do amigo
que Carlinhos Vergueiro gosta de cantar.
“Tenho vontade de
gravar a obra de Vanzolini”, anuncia Vergueiro, que participou do disco
Acerto de contas, que reuniu os maiores amigos em torno da obra do
sambista paulistano. O último encontro entre os dois ocorreu em
fevereiro, quando cantaram juntos em show-homenagem ao disco 11 sambas e
uma capoeira, que Paulo Vanzolini gravou quando Carlinhos Vergueiro
ainda era garoto. Apesar de nunca terem feito parceria, Vergueiro diz
que canta as músicas de Vanzolini como se fossem suas, por se
identificar, principalmente, com as letras.
Melodia e letra
Para o cantor-compositor Luiz Tatit, Paulo Vanzolini foi o pioneiro do
que posteriormente se transformaria em uma marca em São Paulo. “Ele era o
acadêmico cancionista. Trabalhava o dia todo na universidade e, à
noite, fazia seus sambas. Vanzolini era um compositor que só compunha
depois do expediente”, constata Luiz Tatit, lembrando que o zoólogo
gostava muito da noite, quando compunha, principalmente, sambas. “A
música para ele era uma atividade de entretenimento”, acrescenta Tatit,
salientando o fato de Paulo Vanzolini ter-se tornado o protótipo do
compositor que, a exemplo de cariocas como Noel Rosa e Cartola, tinha
muita facilidade em fazer música baseada na fala. “Eles não eram músicos
e jamais lidaram com a poesia literária. Para eles, a entonação da fala
virava melodia. O que faziam era a integração de melodia e letra”,
elogia.
“Um brasileirão”, assim a cantora Mônica Salmaso define
Paulo Vanzolini, de quem ela gravou Samba erudito e Cuitelinho, que o
compositor recolheu, acrescentando-lhe alguns versos. “Vanzolini era um
apaixonado pelo Brasil. Um zoólogo dedicado à profissão, que acabou
apaixonado pelo Brasil profundo”, reforça a cantora, lembrando que o
próprio compositor costumava não dar importância à música dele, diante
da paixão que tinha pelo país. “O mais interessante é que ele falava
disso despretensiosamente e com lirismo”, afirma Mônica, lembrando que
Vanzolini trouxe o Cuitelinho deste mesmo Brasil profundo, que amava
como ninguém. “Isto é uma qualidade bonita de se ver. A gente tem um
ouro de potência”, conclui, emocionada, a cantora.
RONDA
Paulo Vanzolini
De noite eu rondo a cidade
A te procurar sem encontrar
No meio de olhares espio em todos os bares
Você não está
Volto pra casa abatida
Desencantada da vida
O sonho alegria me dá
Nele você está
Ah, se eu tivesse quem bem me quisesse
Esse alguém me diria
Desiste, esta busca é inútil
Eu não desistia
Porém, com perfeita paciência
Volto a te buscar
Hei de encontrar
Bebendo com outras mulheres
Rolando um dadinho
Jogando bilhar
E neste dia então
Vai dar na primeira edição
Cena de sangue num bar
Da Avenida São João
Nenhum comentário:
Postar um comentário