Especialistas da Embrapa identificam
plantas do bioma com potencial aromático. Pesquisa na Chapada dos
Veadeiros pode beneficiar diversas indústrias, como a de cosméticos e de
alimentos
Marcela Ulhoa
Estado de Minas: 30/04/2013
Brasília
– É nas primeiras horas do dia que os pesquisadores iniciam o trabalho
de campo no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás. Na longa
caminhada por trilhas inexploradas pelo turismo, os olhos atentos são
treinados para buscar plantas que possam exalar um agradável perfume.
Quando identificam uma folha com mais penugem, característica que indica
um potencial aromático, os cientistas logo colam o nariz na planta e
dão uma profunda cafungada. Se houver um cheiro bem pronunciado e uma
quantidade razoável da espécie no mesmo local, uma amostra é retirada e
guardada em uma sacola plástica para análise.
O protocolo é
parte de uma pesquisa de três anos da Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa) com plantas aromáticas do cerrado. A ideia é
explorar a biodiversidade do bioma e identificar espécies com potencial
de uso em larga escala pela indústria de cosméticos, perfumaria,
alimentos, higiene e limpeza. Na primeira expedição fora do Distrito
Federal, os pesquisadores montaram um minilaboratório no parque de
proteção da Chapada dos Veadeiros. A estrutura, que conta com
equipamentos sofisticados dispostos em uma pequena sala logo na entrada
da reserva, além de despertar a curiosidade dos turistas que passam pelo
local permite rápida análise do material coletado. A agilidade, no
entanto, não é uma questão de luxo. Ela é necessária para a viabilidade
da pesquisa, já que várias substâncias que conferem odor às plantas e
flores são muito voláteis e se perdem em poucas horas.
Em uma
perspectiva pra lá de animadora, não é impossível imaginar que do
cerrado possa surgir a lavanda brasileira. “Se você não prospectar,
nunca vai encontrar nada. A lavanda, por exemplo, era uma planta do
Mediterrâneo que foi domesticada pelo homem e hoje é explorada em grande
escala”, diz o coordenador do projeto, Roberto Vieira, da Embrapa
Recursos Genéticos e Biotecnologia. O agrônomo ressalta que muitas das
espécies do cerrado já foram descritas pela literatura científica, mas
não analisadas com profundidade. E, se o assunto é óleo essencial, esse
número fica ainda mais restrito. “Precisamos realizar uma extensa
coleta, e é na prospecção que fazemos a primeira peneirada. Quanto mais
você coloca no funil, mais chance existe de pingar algo interessante no
fim. Às vezes, você coleta várias plantas para encontrar duas que valem a
pena.”
Enquanto a Amazônia é muito famosa, com vários estudos
de flora e fauna, o cerrado tem seu potencial desconsiderado, na
avaliação do químico Humberto Bizzo, da Embrapa Agroindústria de
Alimentos do Rio de Janeiro. Também parte da equipe de pesquisadores do
projeto, Bizzo ressalta que o bioma é guardião de uma grande
biodiversidade no Brasil, contando com mais de 12 mil espécies vegetais.
O objetivo inicial do projeto, segundo ele, é construir um completo
banco de dados com as especificações das plantas que permitem uma boa
obtenção de óleos essenciais e extratos. “Com isso também existe um
ganho para a conservação da biodiversidade. Se você não der um uso para
essas plantas, será mais difícil justificar a proteção. Além disso, elas
podem servir como fonte alternativa de renda para pequenos e médios
produtores”, acrescenta.
O foco, no entanto, não é o extrativismo
dessas espécies vegetais. Ainda que muitas delas sejam endêmicas, ou
seja, exclusivas do cerrado, Bizzo afirma que a Embrapa tem condições de
realizar um plano de manejo das plantas que se mostrarem atrativas para
a indústria. “O produtor pode receber uma muda e explorá-la para fins
comerciais. Algumas espécies são de fácil cultivo”, defende. Mas antes
de projetar qualquer sucesso econômico de uma planta, é preciso
primeiramente prospectar, o que não é tarefa fácil.
Nariz e lupa
Na busca por novos aromas, cheirar é imprescindível. Para nortear a
empreitada pelo mundo dos aromas, os pesquisadores destacaram algumas
espécies com um potencial já conhecido de produção de óleos essenciais.
Elas pertencem às famílias Lamiaceae, Verbenaceae, Asteraceae e
Myrtaceae, e cada uma tem características visíveis próprias. Apesar de
se guiarem por essas espécies, os pesquisadores não economizam cheiradas
e repetem a ação em diversos períodos do dia. Isso porque, dependendo
do horário, as plantas exalam mais ou menos cheiro. “Todo esse processo
tem a ver com a relação das plantas com o polinizador. O odor pode ser
um mecanismo para atraí-lo, ou pode ser também uma forma de defesa, para
repelir algum animal”, explica Vieira.
Com uma pequena lupa, o
agrônomo examina a superfície das folhas e se anima com aquelas em que
as glândulas são perfeitamente visíveis. “Essa é uma estrutura em que a
planta armazena os óleos. Ela se rompe quando o animal pousa e solta um
cheiro que o afasta.” Ele acrescenta que o ideal é coletar a planta no
auge de sua produção de óleos, pois, quando ela é arrancada da natureza,
não volta a ativar o mecanismo de fabricação de aromas. Além do método
de tentativa e erro, o grupo de cientistas também se apoia nos
conhecimentos tradicionais do guia do parque, João Carlos Marques.
Aos
63 anos, seu João já percorreu todos os cantos da área protegida,
caminho que há 40 anos fazia como garimpeiro. Com as andanças pelo mato e
os chás medicinais preparados pela mãe, o guia acumulou conhecimento da
função de muitas plantas. Sabe a época da floração e em que local do
parque se pode encontrar cada uma delas. Depois de esticar a caminhada
sozinho em busca da arnica silvestre procurada pelos pesquisadores, João
volta com a mão cheia de galhos e ramos e fala orgulhoso: “Aqui a
coleta”.
GPS e destilação Durante a extração do material, os
pesquisadores marcam no GPS o local em que a planta foi encontrada e
separam um exemplar para a montar um herbáreo de referência. A maior
parte da amostra, no entanto, é levada para o laboratório na entrada do
parque. Lá, o técnico da Embrapa Ismael da Silva Gomes mergulha as
folhas na água e as coloca em um equipamento de destilação. Devido à
alta temperatura, o vapor da água banhada pelas folhas sobe até um cano
resfriado, onde é condensado. O processo separa a água do óleo. Essa
substância é levada, então, para Brasília e para o Rio de Janeiro, onde
passa por um cromatógrafo, equipamento que faz a separação molecular da
substância. É nessa etapa que se distingue a lista de compostos
presentes no óleo e a proporção de cada um.
Rafael Ferreira da
Silva, estudante de mestrado de química da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ), que também participa do projeto, explica que existem
várias substâncias em uma planta, mas nem todas são responsáveis por seu
odor. “Às vezes, é o composto que está presente em menor proporção que
dá o aroma à planta. Outras, é uma mistura de alguns compostos
específicos. O que faz uma flor agradável é a proporção das substâncias
presentes nela.” E é exatamente essa proporção que os pesquisadores
conseguirão após a análise por cromatógrafo. Segundo Roberto Vieira, o
que o campo da perfumaria procura são novas possibilidades de misturas.
Como ela é um ramo sempre em busca de novidades, uma planta diferente
acrescentada em uma conhecida fórmula pode ser uma pequena mudança capaz
de proporcionar uma outra sensação e percepção do odor.
A
análise sensorial, inclusive, entrará em uma etapa posterior do projeto.
Silva explica que será organizado um painel composto por voluntários
treinados para reconhecer e identificar odores. “Eles classificarão cada
um com base nas notas da perfumaria. Dirão se o que sentem é um cheiro
floral, pungente ou amadeirado, por exemplo.” A esperança, após o largo
levantamento, é encontrar um novo aroma para a indústria de fragância
que agregue valor ao cerrado. “A Amazônia hoje não nos acrescenta nada
de novo. Temos as mesmas plantas de 100 anos atrás. As duas únicas
inserções são a priprioca e o breu. No cerrado, temos um grande
potencial, mas, se não fizermos uma prospeção, nada acontecerá”, pontua
Bizzo.
Palco de estudos
De acordo com Carla
Guaitanele, chefe do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, hoje a
unidade recebe um volume de pesquisas considerável. Todos os dias, é
frequentado por cientistas
de todo o Brasil, das mais variadas
linhas de estudo. “Para a gente, é essencial fomentar a geração de
informação sobre o cerrado. O parque é um dos 25 hotspots para a
conservação em escala global, e a Chapada dos Veadeiros é uma das
principais indicações do bioma”, diz.
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