terça-feira, 30 de abril de 2013

Principal contista americana, famosa pela concisão,Lydia Davis lança obra no Brasil e vem à Flip

folha de são paulo

Peso-mosca
CASSIANO ELEK MACHADODE SÃO PAULOAlguns escritores norte-americanos entraram para o cânone literário ao entalharem textos grandes e robustos, como as 600 páginas de Herman Melville sobre a hercúlea luta de um homem para capturar uma baleia branca --seu "Moby Dick".
Sua conterrânea Lydia Davis, 67, só precisou de histórias com a extensão de uma frase, com temas como o pouso de uma mosca num papel.
À direita deste texto, pousados sobre retângulos em duas tonalidades de azul, o leitor encontrará sete contos --na íntegra-- da escritora, todos eles confortavelmente acondicionáveis em tuítes.
Literatura breve, mas de grande reputação.
Há quatro anos, uma seleção de seus contos foi publicada nos EUA e saudada pelo crítico da revista "New Yorker" James Wood assim: "Suspeito que os Contos Reunidos de Lydia Davis' serão vistos no futuro como uma das maiores e mais estranhas contribuições da literatura americana".
Praticamente inédita no país, com apenas um punhado de histórias publicadas na revista "piauí", a escritora de Massachusetts chega agora às livrarias brasileiras.
A Companhia das Letras está lançando o volume de contos "Tipos de Perturbação", que apresenta 57 textos da autora (alguns deles "odisseias" de até 35 páginas).
Além de lida, sua voz também poderá ser ouvida in loco. A escritora será uma das convidadas da próxima Flip, a Festa Literária Internacional de Paraty, em julho.
Em entrevista à Folha, a escritora, que também é uma reconhecida tradutora de autores como Marcel Proust e Gustave Flaubert, falou sobre concisão, tradução e sobre a difícil alegria de escrever.
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Folha - A revista americana "The Believer" publicou uma resenha sobre sua obra na qual pergunta: "Lydia Davis diz mais com o que diz ou com o que não diz?". O que Lydia Davis diria a respeito?
Lydia Davis - Tento ser tão concisa quanto posso ao expressar o que quero. Mas vale lembrar que Proust também acreditava na concisão. Se uma frase dele pode durar várias páginas, isso não significa que ele tenha dito mais do que necessitasse. E há o papel do leitor: quanto mais ativo ele é, expandindo a história ou compreendendo suas implicações, entendendo o que não foi dito explicitamente, mais satisfeito ficará.
Poucos autores são tão ligados ao gênero conto como a sra. Mas, em 1995, a sra. publicou um romance chamado "O Fim da História" ("story" é conto em inglês). A sra. pretende escrever mais romances ou foi o fim da história?
Sou muito satisfeita com o gênero conto. Ele é flexível e versátil e pode levar a muitas direções diferentes. Meu único romance veio da experiência de querer contar uma história que era muito longa para caber num conto. As principais dificuldades de escrever um romance foram: primeiro, organizar o material; depois, sustentar de um dia para o outro a vivacidade da voz narrativa. Não me importaria de escrever outro romance, e isso ainda é possível, mas no momento estou interessada em trabalhar numa narrativa de não ficção.
O crítico da revista "New Yorker" James Wood diz que seus contos compõem uma espécie de autobiografia intelectual e emocional. Quão próxima a sra. se considera da narradora de suas histórias?
Gosto do comentário de Wood e, às vezes, fantasio que minhas histórias, se colocadas em ordem cronológica, poderiam formar uma autobiografia. Mas, ainda que muitas histórias narrem episódios reais ou tratem de um momento de minha vida, elas nunca são exatamente verdadeiras: parte dos conteúdos são mesmo inventados ou deslocados de outro momento de minha vida ou da vida de outra pessoa e, também, quando alguém seleciona algo da realidade, inevitavelmente a distorce.
Como tradutora a sra. já publicou diferentes versões de uma mesma obra. A sra. também refaz seus contos?
Fiz, de fato, duas versões da tradução de Proust. Isso é inevitável: um escritor vê sempre melhoras possíveis em obras tão extensas. Quanto a meus textos, em alguns casos faço revisões, às vezes inúmeras revisões, quando vou publicar em livro uma história que já saiu numa revista. Do começo ao final, trabalho no "polimento" das histórias. Em alguns casos, continuo mexendo em palavras até não enxergar mais nada que possa ser alterado.
A sra. cresceu numa família de intelectuais e diz ter lido livros como "Malone Morre", de Samuel Beckett, aos 13. Quando a sra. "virou" escritora?
Comecei a pensar seriamente nisso bem cedo, com uns 14 ou 15 anos. Antes disso, eu estava interessada em tocar piano e violino. Gosto e sempre gostei de atividades nada literárias, como jardinagem e o estudo de animais e insetos. Mas, ao passo que alguém continue a pensar enquanto pratique estas atividades, elas continuam sendo de alguma maneira intelectuais. E eu não quero parar de pensar jamais.
Numa entrevista, a sra. disse que é tão obcecada por línguas estrangeiras que, de tempos em tempos, faz uma imersão num idioma que não conheça, como o sueco. A sra. já mergulhou no português?
Tive uma boa experiência com o espanhol, até porque vivi em Buenos Aires quando tinha 17 anos. Consigo ler e já traduzi textos da mexicana Ana Rosa González Matute. Adoraria aprender português. Se você tiver algum autor para recomendar adoraria tentar traduzi-lo.
Contos como "Insônia" poderiam passar por poemas. A sra. já publicou o mesmo texto em diferentes ocasiões como conto e como poema?
Enquanto houver algum elemento de narrativa num texto, acho que posso chamá-lo de história. Gosto de tentar ampliar a definição de conto do que de chamá-lo de poema. Mas não me importo se alguém considerar minhas histórias como poesia. Um dos meus contos já saiu no volume "Os Melhores Poemas Americanos". Fiquei feliz. Tendo dito isso, devo acrescentar que, sim, alguns textos que escrevo os faço com a intenção de que fossem mais poemas que prosa.
Numa entrevista recente à Folha, o sul-africano J. M. Coetzee declarou que nunca se diverte ao escrever. A sra. consegue se divertir?
Tenho enorme prazer em escrever. Não sei se conseguiria chamar esse prazer de "diversão", já que há um toque de leveza nesta palavra que não combina com o sério ofício de escrever. Mesmo escrever algo divertido é uma empreitada séria. Posso sorrir enquanto o faço, mas o trabalho é sério.

    LYDIA DAVIS - RAIO-X
    VIDA
    Nasceu nos Estados Unidos em 1947. Foi casada com o escritor Paul Auster, com quem teve um filho. É professora de escrita criativa da Universidade de Albany, no Estado de NY, onde vive
    TRADUÇÃO
    Já verteu para o inglês obras de franceses como Marcel Proust, Gustave Flaubert, Maurice Blanchot e Michel Foucault, entre outros. Venceu o French-American Foundation Translation Prize pela tradução de "No Caminho de Swann", de Proust
    LIVROS
    Publicou o romance "The End of History" e várias coletâneas de contos. "Tipos de Perturbação", que sai agora no Brasil, foi finalista do National Book Award de 2007

      COMENTÁRIO
      Autora faz nocaute com 10 mindinhos
      DE SÃO PAULONa já batida, mas eficiente analogia que o argentino Julio Cortázar fez entre o universo da prosa e o do boxe, os romances seriam as histórias que ganhariam o leitor "por pontos", enquanto o conto o venceria por nocaute.
      Lydia Davis é uma boxeadora um pouco distinta. Peso-mosca na forma, a escritora abate o leitor antes mesmo que ele se dê conta de que está sobre o ringue.
      Com histórias feitas com a sutileza de quem escreve com dez dedos mindinhos --ou com dez bisturis --, as ficções de "Tipos de Perturbação" ganham pelo que não mostram.
      Não é só com a concisão que Davis leva à lona. Ensaísticas, antropológicas, às vezes irritantemente descritivas, suas narrativas, muitas delas sem trama, parecem residir fora da literatura, até que o leitor se dê conta de que a literatura é que está mudando para o terreno de Davis.

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