terça-feira, 30 de abril de 2013

Maria Esther Maciel-Os trabalhos de Luzia‏


Estado de Minas: 30/04/2013 

Quando completou 7 anos, Luzia recebeu a notícia de que iria morar na cidade, para poder estudar. Naquela época, como poucas crianças da roça tinham a oportunidade de frequentar uma escola, a promessa de estudo era quase sempre recebida como um presente. E foi isso o que a menina sentiu: uma enorme alegria por ter sido a escolhida entre os irmãos. “Por que não o Almir, que já tem 10 anos? Ou o Zé, que ainda não fez 9, mas é o mais esperto de todos?”, alguém da família poderia ter perguntado. Acontece que a mulher que ofereceu casa e escola queria uma menina. Uma menina de boa saúde, capaz de fazer também os serviços de casa. E não bastasse levá-la para uma boa escola, ainda daria aos pais algum dinheiro.

Foi assim que Luzia partiu para a cidade com dona Zélia, carregando uma trouxa magra de roupas. Seus irmãos menores – Dino e Jane – choraram muito na hora da despedida. Os dois mais velhos apenas a abraçaram, calados. Já o pai e a mãe mal disfarçaram a tristeza.

Por 12 anos, Luzia viveu na casa da família de dona Zélia, trabalhando duro. No início lavava roupa, limpava a casa, levava e trazia recados, comprava coisas na mercearia. Tempos depois, após deixar a escola por causa das bombas sucessivas, aprendeu a cozinhar e passar. Em troca, recebia cama, comida e as roupas usadas de uma das filhas da patroa. Mas o que mais a incomodava era o assédio do filho mais velho da casa. Fugia dele o tempo todo e, para se preservar, passou a trancar a porta do quarto à noite. Com o tempo, foi ficando cansada daquela vida. Quase não saía, trabalhava até tarde e não podia ter as coisas que queria. Acabou se casando com o primeiro namorado que arrumou: um rapaz muito feio, funcionário do açougue da esquina.

Foi um alívio, mesmo tendo que ir morar longe, num barracão de dois cômodos. Mas o marido, três anos depois, morreu atropelado, deixando-a com um filho recém-nascido. Começou, então, a trabalhar numa outra casa de família, desta vez com carteira assinada e salário mínimo. O único problema era o horário: entrava no serviço às 7h e só saía quando a patroa a dispensava, às vezes muito tarde da noite. Como tinha filho pequeno, deixava-o com uma tia de seu finado marido, só podendo ficar com o menino aos domingos. Passou um ano nesse emprego. Depois teve vários outros semelhantes. Sua experiência mais traumática foi ter sido despedida de um deles, sob a infundada suspeita de ter pego um envelope com US$ 1 mil que o patrão guardava no escritório.

Hoje, Luzia tem 56 anos e trabalha há 10 na casa de uma médica. Ganha dois salários mínimos. Seu filho faz curso de hotelaria e trabalha num restaurante. Moram numa casa com jardim e alpendre. Mês passado, ela viu na TV a notícia sobre a aprovação da nova lei das domésticas. E sem entender direito, ficou apreensiva, com medo de perder o emprego. Cláudia, sua patroa, foi quem lhe explicou as novas regras, dizendo que as aprova e pretende cumpri-las. Afinal, como ficariam seus plantões no hospital e o atendimento no consultório se não tivesse Luzia para cuidar da casa? “Seu trabalho é precioso e tem mesmo que ser valorizado”, acrescentou com firmeza. E Luzia, feliz com o elogio, foi para a cozinha com a ideia de fazer uma bela torta de queijo. 

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