Malandros sem chance
A corrupção brasileira vive uma crise de competência. Os mequetrefes ficarão sem vez
"Vai que Dá Certo" é uma produção da Globo Filmes que reúne alguns comediantes de grande sucesso na internet, como Fábio Porchat e Gregório Duvivier. O filme foi lançado em muitos cinemas, prevendo grande público.Se você for um dos possíveis espectadores, aviso que vou contar algumas cenas e piadas neste artigo.
Boêmio e azarado, Danton Mello é Rodrigo, proprietário de um Maverick cor de barata metálica. O motor do carro está em petição de miséria. Aparece um assaltante. Rodrigo tem de lhe entregar aquela ruína sobre rodas.
Torce, naturalmente, para que o carro não pegue. Ao volante, o bandido não desiste: manda Rodrigo empurrar o Maverick para ajudá-lo a ir embora.
Tudo bem, é só uma comédia. Tudo bem, o filme tem patrocínio explícito da Fiat -e a necessidade de um carro novo envolverá outros personagens na trama. O espectador pode perguntar, em todo caso, por que um ladrão haveria de querer roubar um Maverick arrebentado.
Uma resposta possível é a de que não se trata de um filme sobre o Brasil real. É uma comédia sobre um país imaginado.
Esse país imaginado difere bastante dos antigos e novos clichês em torno de nosso "caráter nacional", e ao mesmo tempo concorda com eles. Classicamente, sempre fomos um povo improvisador, otimista, pacífico, atrasado e preguiçoso.
O quadro mudou muito quando a malandragem se transformou em PCC, e quando caiu a ficha de que, bem ou mal, estamos entre as maiores economias do mundo. Enquanto isso, o sistema de favores comum na política tradicional se tornou uma espécie de variante parlamentar do crime organizado.
O jeitinho deixou de constar como um traço simpático, e hoje equivale à transação com o pequeno traficante: um dente pequeno na engrenagem maior da corrupção. O que não quer dizer que não se recorra a ele.
"Vai que Dá Certo" se baseia nessa percepção ambígua. A malandragem tem tanto futuro quanto o Maverick de Danton Mello, mas ainda assim não custa dar uma empurrada que, com sorte, o carro pega.
O problema não é tanto o de a sociedade não admitir mais o comportamento criminoso. Ao contrário.
O problema é que não há mais espaço para amadores. Rodrigo e seus amigos são ingênuos e atrapalhados demais para ter sucesso no golpe que planejaram.
Terminam se salvando graças a um político jovem e corrupto, bem caracterizado por Bruno Mazzeo. Claro, o grupo ficará "devendo uma" ao figurão. No final do filme, o deputado aparece para lhes pedir um servicinho. Voltamos, com isso, ao caso do ladrão do Maverick. Que grande corrupto contrataria os préstimos daqueles patetas?
Mas talvez isso aconteça. Muitos escândalos são desvendados, no Brasil, graças ao otimismo, à autoconfiança, dos próprios envolvidos.
Fala-se em "certeza da impunidade", o que não é incorreto. Mas há também a certeza, bem brasileira, de que tudo vai dar certo no final. Assim, esquemas aparentemente bem montados desmoronam na baixaria da ex-amante, no laranja semianalfabeto à frente do barraco onde deveria funcionar uma empresa de consultoria.
Conclui-se que, como em tudo, a corrupção brasileira vive uma crise de competência. Com mais investimento em educação, naturalmente esse problema será contornado. Os mequetrefes ficarão sem vez.
Há algo de doce, talvez, e certamente de ingênuo em "Vai que Dá Certo". Estamos longe da violência mental de um site como "Porta dos Fundos", onde Fábio Porchat e Gregório Duvivier fazem humor mais cínico e adulto.
Uma moça chamada Kellen procura o próprio nome entre as latas de Coca Zero; Fábio Porchat, no papel de atendente do supermercado, avisa. "Você tem um nome merda." Só vai achar, com sorte, na promoção do guaraná Dolly.
Esse tipo de desplante não teria lugar no cinema comercial. Os participantes de "Vai que Dá Certo" precisam ser mais infantis, e menos realistas. Escolhem, na verdade, estilos de atuação heterogêneos.
Lúcio Mauro Filho é uma figura de cartum, enquanto Danton Mello é mais naturalista, e Fábio Porchat se desequilibra entre alguma "gayzice" e o tipo cervejeiro.
O filme é para ser em São Paulo, mas foge de uma localização precisa. No campinho de futebol, cada personagem usa a camisa de um time diferente. Ficamos, como o Brasil, entre o Fiat e o Maverick. Nenhuma das duas opções é de primeira linha.
coelhofsp@uol.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário