João Paulo
Estado de Minas: 18/05/2013
A
antecipação da eleição de 2014 tem alguns aspectos positivos. É sempre
bom politizar o cotidiano, buscar ligações entre o que acontece no dia a
dia das pessoas e as decisões mais amplas, responsabilizar os agentes
públicos e comprometer a sociedade com os rumos escolhidos. Não há
decisões no vazio político.
No entanto, o Brasil tem o hábito – de resto quase universal – de confundir política com esperteza. Com isso, em vez de críticas, o que se ouve são bandeiras manjadas; no lugar do debate sério, se apela para o argumento ad hominem; contrariamente ao interesse público, as propostas deixam o campo da razão para apelar para o terreno da magia.
Uma das formas mais agudas de atravessar o debate político, como quem atravessa um samba, tem sido o ataque à economia a partir dos índices de crescimento. Em vez de considerar a complexidade do cenário nacional e internacional, o cidadão é levado a considerar os índices de crescimento por vezes risíveis (quando se trata do Brasil), catastróficos (quando partem da China) e promissores (quando vêm da Europa e dos EUA), mesmo quando tratam de realidades distintas. O mais curioso é que o que é considerado “pibinho” no Brasil seja sinal de recuperação na zona do euro.
Não há nada mais fácil do que jogar com números. No entanto, fora os possíveis tentos eleitorais, a manipulação de dados não serve ao país. E, o que é mais grave, pode prestar um desserviço grave quando traduzido em projetos que vão na contramão das ações positivas que vêm sendo realizadas – não pelo governo apenas. É o caso, por exemplo, de propostas que aventam a possibilidade de aumentar o desemprego para fazer frente a uma possível retomada da inflação.
Pode parecer absurdo, mas é verdade. Alguns economistas ortodoxos têm visto no par “baixo desemprego e inflação” uma correlação decorrente do aumento do consumo. A saída seria, para conter o consumo interno, aumentar o desemprego, já que o risco da inflação seria mais severo em termos estruturais. Por trás desse jogo aparentemente racional está um ataque às chamadas políticas sociais.
Há, sobretudo nas camadas médias tradicionais (as mesmas que se espezinham em se sentir mal em companhia da chamada nova classe média), um temor pânico pela igualdade, que se traduz em várias formas de discriminação: do gosto estético aos padrões de consumo. São esses setores que fazem da inflação o grande fantasma, com auxílio, como sempre, da chamada mídia especializada. Com uma sorrateira capa ideológica, o que se expressa é uma recusa a toda forma de promoção da distribuição de renda (programas sociais) e poder (já se volta a falar com desassombro em ditadura da maioria para traduzir os resultados eleitorais que aprovam medidas populares).
As políticas sociais devem ser consideradas um avanço em todos os sentidos. Em primeiro lugar, pelo papel distributivo inegável, o que responde a demandas históricas da sociedade brasileira, uma das mais injustas do planeta. Além disso, há um forte potencial político que se expressa na consolidação do modelo democrático, sem o qual é impensável qualquer outra forma de avanço. Por fim, a distribuição de renda significou, além dos resultados práticos da contenção da miséria, a geração de um mercado interno que fortaleceu a economia brasileira exatamente no contexto do enfraquecimento dos mercados internacionais.
O que se tem mostrado ainda mais promissor é o desligamento voluntário, ano a ano, das pessoas atendidas pelo Bolsa Família, o que expressa não só o caráter passageiro do projeto como seu potencial de amadurecimento em termos de cidadania. A cultura política nacional sempre foi preconceituosa, imputando aos pobres (e também aos índios, aos menores, às mulheres, aos negros) uma atávica incapacidade civilizacional, o que se traduziu em busca de controles marcados sempre pela discriminação.
O mesmo processo, por exemplo, se observa nos resultados na política de cotas, que vem desmentindo os argumentos meritocráticos fundamentalistas (que não passam pela análise do contexto histórico e sociopolítico da competência), com resultados que igualam o desempenho de cotistas e não cotistas ao final de todas as etapas de formação. O papel, tanto das ações afirmativas como das políticas compensatórias, é negar a situação que as deu origem, o que vem sendo comprovado de forma inquestionável.
Moral e economia Voltando à economia, mesmo com a histeria dos acusadores do “pibinho” ou da volta da inflação, o que se observa é uma posição relativamente mais estável do país em relação a economias ditas centrais. E o mais importante é que isso se deu não apesar dos programas sociais, mas por causa deles. A ampliação da classe média brasileira, em sua tradução de expansão de consumo, robusteceu o mercado interno de modo a deixá-lo protegido de parte da tensão dos outros mercados. Além disso, o país mostrou tirocínio em se ligar a outras nações, diversificando suas oportunidades de comércio, sobretudo no eixo Sul-Sul.
A noção de classe média é confusa sociologicamente. Ela pode significar um estrato intermediário de renda, mas pode também funcionar como uma espécie de bolsão moralista em termos ideológicos. O que se observa hoje no Brasil é um deslizamento de uma concepção à outra, da moral para a economia. Em outras palavras, é possível afirmar que, em termos econômicos, quanto mais classe média, melhor. O crescimento material, em sua estratégia de ampliar o mercado interno, precisa de mais consumidores e contribuintes. A grande novidade, hoje, não é o capital externo, mas a capacidade de consumo dos próprios brasileiros. Quem se depara com um aeroporto cheio deveria saudar mais os passageiros de primeira viagem (que apavora tanto os colunistas sociais) do que as empresas produtoras de aviões. Pelo menos se se pensa em desenvolvimento sustentável. A economia brasileira (ao lado dos outros emergentes) está mostrando que o conteúdo – as pessoas – vale mais que a forma – os produtos.
No atual estágio do debate político, o mais responsável é apontar para a frente. E são claros os desafios. Trata-se de estabelecer condições de crescimento que confirmem a vocação para diminuição das injustiças, ainda gritantes, por meio de ações que vão da formação de novo patamar de educação aos investimentos em infraestrutura. No entanto, o que o país também aprendeu é que o desenvolvimento, que não vai mais voltar a índices de milagre, precisa se lastrear numa realidade de maior justiça social e menos subserviência ao capital estrangeiro.
Por isso a retórica da crítica econômica tem pouca pega eleitoral. O cidadão quer ouvir propostas para a saúde, para a segurança pública, para a mobilidade urbana. Temos muitos problemas reais para perder tempo com tergiversações. O que a realidade brasileira tem mostrado ao mundo é uma conjunção entre democracia forte e capacidade de resposta econômica. É quase como um zanga-burrinho: um lado equilibra o outro. Quanto mais liberdade, maiores as pressões que descarregam em políticas públicas; quanto menos eficientes estas se expressem, mais necessários os controles que mantenham a estabilidade do sistema. Um segmento não pode submeter o outro, sob o risco da ditadura, por um lado, ou da bancarrota, por outro.
Em cada um dos universos (da política e da economia) há dívidas históricas que precisam ser enfrentadas com urgência. Este deveria ser o terreno da disputa entre projetos para o país. Temos questões graves a serem vencidas e há formas diferentes de fazê-lo. O que a imprensa deveria se dedicar a cumprir, em um trabalhoso dever de casa, era mostrar o que cada candidato (e o grupo e as ideias que representam) tem a propor para o país. Algo muito mais relevante que ficar nesse rame-rame insuportável de especulações de bastidores, sobre Aécio, Dilma, Lula, Eduardo, Marina, como se a eleição fosse um jogo onomástico e não uma confrontação de projetos. Se isso – mostrar as ideias e o jeito de governar de cada grupo – é antecipação do cenário eleitoral, melhor para o cidadão. Política não é para ser feita apenas de dois em dois anos, mas todos os dias. As mentiras de campanha, como a propaganda partidária, essas podem ficar mais para a frente. Na verdade, não fazem a menor falta.
No entanto, o Brasil tem o hábito – de resto quase universal – de confundir política com esperteza. Com isso, em vez de críticas, o que se ouve são bandeiras manjadas; no lugar do debate sério, se apela para o argumento ad hominem; contrariamente ao interesse público, as propostas deixam o campo da razão para apelar para o terreno da magia.
Uma das formas mais agudas de atravessar o debate político, como quem atravessa um samba, tem sido o ataque à economia a partir dos índices de crescimento. Em vez de considerar a complexidade do cenário nacional e internacional, o cidadão é levado a considerar os índices de crescimento por vezes risíveis (quando se trata do Brasil), catastróficos (quando partem da China) e promissores (quando vêm da Europa e dos EUA), mesmo quando tratam de realidades distintas. O mais curioso é que o que é considerado “pibinho” no Brasil seja sinal de recuperação na zona do euro.
Não há nada mais fácil do que jogar com números. No entanto, fora os possíveis tentos eleitorais, a manipulação de dados não serve ao país. E, o que é mais grave, pode prestar um desserviço grave quando traduzido em projetos que vão na contramão das ações positivas que vêm sendo realizadas – não pelo governo apenas. É o caso, por exemplo, de propostas que aventam a possibilidade de aumentar o desemprego para fazer frente a uma possível retomada da inflação.
Pode parecer absurdo, mas é verdade. Alguns economistas ortodoxos têm visto no par “baixo desemprego e inflação” uma correlação decorrente do aumento do consumo. A saída seria, para conter o consumo interno, aumentar o desemprego, já que o risco da inflação seria mais severo em termos estruturais. Por trás desse jogo aparentemente racional está um ataque às chamadas políticas sociais.
Há, sobretudo nas camadas médias tradicionais (as mesmas que se espezinham em se sentir mal em companhia da chamada nova classe média), um temor pânico pela igualdade, que se traduz em várias formas de discriminação: do gosto estético aos padrões de consumo. São esses setores que fazem da inflação o grande fantasma, com auxílio, como sempre, da chamada mídia especializada. Com uma sorrateira capa ideológica, o que se expressa é uma recusa a toda forma de promoção da distribuição de renda (programas sociais) e poder (já se volta a falar com desassombro em ditadura da maioria para traduzir os resultados eleitorais que aprovam medidas populares).
As políticas sociais devem ser consideradas um avanço em todos os sentidos. Em primeiro lugar, pelo papel distributivo inegável, o que responde a demandas históricas da sociedade brasileira, uma das mais injustas do planeta. Além disso, há um forte potencial político que se expressa na consolidação do modelo democrático, sem o qual é impensável qualquer outra forma de avanço. Por fim, a distribuição de renda significou, além dos resultados práticos da contenção da miséria, a geração de um mercado interno que fortaleceu a economia brasileira exatamente no contexto do enfraquecimento dos mercados internacionais.
O que se tem mostrado ainda mais promissor é o desligamento voluntário, ano a ano, das pessoas atendidas pelo Bolsa Família, o que expressa não só o caráter passageiro do projeto como seu potencial de amadurecimento em termos de cidadania. A cultura política nacional sempre foi preconceituosa, imputando aos pobres (e também aos índios, aos menores, às mulheres, aos negros) uma atávica incapacidade civilizacional, o que se traduziu em busca de controles marcados sempre pela discriminação.
O mesmo processo, por exemplo, se observa nos resultados na política de cotas, que vem desmentindo os argumentos meritocráticos fundamentalistas (que não passam pela análise do contexto histórico e sociopolítico da competência), com resultados que igualam o desempenho de cotistas e não cotistas ao final de todas as etapas de formação. O papel, tanto das ações afirmativas como das políticas compensatórias, é negar a situação que as deu origem, o que vem sendo comprovado de forma inquestionável.
Moral e economia Voltando à economia, mesmo com a histeria dos acusadores do “pibinho” ou da volta da inflação, o que se observa é uma posição relativamente mais estável do país em relação a economias ditas centrais. E o mais importante é que isso se deu não apesar dos programas sociais, mas por causa deles. A ampliação da classe média brasileira, em sua tradução de expansão de consumo, robusteceu o mercado interno de modo a deixá-lo protegido de parte da tensão dos outros mercados. Além disso, o país mostrou tirocínio em se ligar a outras nações, diversificando suas oportunidades de comércio, sobretudo no eixo Sul-Sul.
A noção de classe média é confusa sociologicamente. Ela pode significar um estrato intermediário de renda, mas pode também funcionar como uma espécie de bolsão moralista em termos ideológicos. O que se observa hoje no Brasil é um deslizamento de uma concepção à outra, da moral para a economia. Em outras palavras, é possível afirmar que, em termos econômicos, quanto mais classe média, melhor. O crescimento material, em sua estratégia de ampliar o mercado interno, precisa de mais consumidores e contribuintes. A grande novidade, hoje, não é o capital externo, mas a capacidade de consumo dos próprios brasileiros. Quem se depara com um aeroporto cheio deveria saudar mais os passageiros de primeira viagem (que apavora tanto os colunistas sociais) do que as empresas produtoras de aviões. Pelo menos se se pensa em desenvolvimento sustentável. A economia brasileira (ao lado dos outros emergentes) está mostrando que o conteúdo – as pessoas – vale mais que a forma – os produtos.
No atual estágio do debate político, o mais responsável é apontar para a frente. E são claros os desafios. Trata-se de estabelecer condições de crescimento que confirmem a vocação para diminuição das injustiças, ainda gritantes, por meio de ações que vão da formação de novo patamar de educação aos investimentos em infraestrutura. No entanto, o que o país também aprendeu é que o desenvolvimento, que não vai mais voltar a índices de milagre, precisa se lastrear numa realidade de maior justiça social e menos subserviência ao capital estrangeiro.
Por isso a retórica da crítica econômica tem pouca pega eleitoral. O cidadão quer ouvir propostas para a saúde, para a segurança pública, para a mobilidade urbana. Temos muitos problemas reais para perder tempo com tergiversações. O que a realidade brasileira tem mostrado ao mundo é uma conjunção entre democracia forte e capacidade de resposta econômica. É quase como um zanga-burrinho: um lado equilibra o outro. Quanto mais liberdade, maiores as pressões que descarregam em políticas públicas; quanto menos eficientes estas se expressem, mais necessários os controles que mantenham a estabilidade do sistema. Um segmento não pode submeter o outro, sob o risco da ditadura, por um lado, ou da bancarrota, por outro.
Em cada um dos universos (da política e da economia) há dívidas históricas que precisam ser enfrentadas com urgência. Este deveria ser o terreno da disputa entre projetos para o país. Temos questões graves a serem vencidas e há formas diferentes de fazê-lo. O que a imprensa deveria se dedicar a cumprir, em um trabalhoso dever de casa, era mostrar o que cada candidato (e o grupo e as ideias que representam) tem a propor para o país. Algo muito mais relevante que ficar nesse rame-rame insuportável de especulações de bastidores, sobre Aécio, Dilma, Lula, Eduardo, Marina, como se a eleição fosse um jogo onomástico e não uma confrontação de projetos. Se isso – mostrar as ideias e o jeito de governar de cada grupo – é antecipação do cenário eleitoral, melhor para o cidadão. Política não é para ser feita apenas de dois em dois anos, mas todos os dias. As mentiras de campanha, como a propaganda partidária, essas podem ficar mais para a frente. Na verdade, não fazem a menor falta.
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