Desatracar a economia
Aprovação da MP dos Portos significa um avanço entre os muitos de que o país ainda precisa para se tornar mais competitivo e eficiente
Quando a cabeça não pensa, o corpo padece. O adágio popular serve para ilustrar o dramalhão em que se transformou o trâmite, no Congresso Nacional, da medida provisória com que o governo almeja modernizar os portos.Na falta de planejamento e coordenação do Planalto, sobraram atos voluntariosos, liberações torrenciais de verbas e atropelos do rito recomendável para discutir a MP.
A medida acabou aprovada no Senado a apenas cinco horas da expiração do prazo para a sua conversão em lei. A celeridade dos senadores na apreciação do projeto contrastou com a morosidade da Câmara, que consumiu 23 horas apenas na sessão derradeira.
Se o saldo político foi ruim, salvou-se, porém, o cerne de uma norma capaz de beneficiar a economia.
Manteve-se o núcleo da inovação contida na MP, a abertura do setor portuário à competição, mediante regras menos cartoriais de contratação de mão de obra. Terminais privados, cujas movimentações de carga ficavam restritas às da empresa proprietária, terão agora autorização para trabalhar com carregamentos de terceiros.
O escopo da ação dos empreendimentos privados passa a ser comparável ao dos mais importantes portos públicos do país, como Santos e Paranaguá. Terminais particulares também ficam livres da obrigação de contratar trabalhadores avulsos do Órgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo), que carteliza e encarece a operação nos complexos públicos. As medidas tendem a aumentar paulatinamente a disputa por cargas, o que costuma desaguar em custos menores.
A fim de tornar mais provável esse prognóstico, a presidente Dilma Rousseff deveria vetar as traficâncias agregadas por deputados na tumultuada passagem da MP pela Câmara. É o caso da ampliação da obrigatoriedade de contratar trabalhadores via Ogmo nos portos públicos. O veto também é o melhor destino para as tentativas de renovação automática de concessões privadas em terminais públicos anteriores à lei que disciplinou essas transações, de 1993.
A ineficiência associada às operações portuárias no Brasil não se restringe, entretanto, aos pontos atacados na nova legislação. Não há exagero em dizer que o conjunto de gargalos ainda a desfazer supera em importância o obstáculo da falta de competição, em via de ser atenuado com a conversão da MP.
Sem ampliar a oferta de modernos dutos, estradas, ferrovias, hidrovias e instalações de armazenamento, a mudança no regime dos portos --que são apenas a ponta de uma complexa cadeia logística-- terá impacto negligenciável.
Tampouco haverá progresso sem que se ataque a burocracia paquidérmica e o corporativismo remanescente encastelados nos terminais marítimos. Para dar uma ideia do atraso: em pleno século 21, os serviços públicos que atuam na liberação de mercadorias ainda não funcionam 24 horas. Os competidores do Brasil agradecem.
Dúvida sobre o Paquistão
Décadas de violência, de instabilidade política e de desequilíbrio econômico desautorizam projeções otimistas sobre o futuro do Paquistão. Mas a vitória mais ampla do que o esperado, sem a necessidade de negociar uma coalizão, assegurou ao primeiro-ministro eleito, Nawaz Sharif, razoável capital político para enfrentar os graves problemas do país.Esta é a terceira chance do conservador Sharif, premiê por duas vezes na década de 1990. Ficou conhecido no exterior por promover o primeiro teste nuclear do país, em 1998. Um ano depois, seu segundo governo foi interrompido por um golpe militar.
As relações com os EUA estão na lista das tarefas mais difíceis. A operação que matou Osama bin Laden em solo paquistanês, em 2011, e os milhares de mortos --inclusive civis-- em ataques de "drones" (aviões teleguiados) fizeram a opinião pública se voltar contra a aliança militar com os americanos.
Durante a campanha, Sharif, em busca de votos, prometeu que não se submeteria às demandas dos EUA, que cobram mais firmeza contra o Taleban, e sinalizou querer negociar com o grupo fundamentalista. Mas terá de ser pragmático com Washington para obter apoio a um acordo de US$ 9 bilhões em negociação com o FMI.
Tal socorro aliviaria os urgentes problemas do país, como as reservas internacionais insuficientes para cobrir dois meses de importações. A falta de segurança tem inibido investimentos estrangeiros, e falhas de infraestrutura impõem a interrupção de energia várias horas por dia em algumas regiões.
Outro desafio para Sharif é reconciliar-se com o Exército, que o algemou e encarcerou em 1999. O contencioso com os militares inclui o futuro do general Pervez Musharraf, cabeça daquele golpe. O futuro premiê decidirá se ele deve ser julgado por traição, o que pode condená-lo à morte.
Sharif também terá de negociar com os militares para cumprir a promessa de melhorar as relações com a Índia, com a qual o Paquistão travou três guerras e mantém disputa territorial. Há ainda os potenciais impactos à segurança do país com a anunciada retirada da Otan do Afeganistão, em 2013.
Todos temas espinhosos, que o mundo acompanha inquieto, por seu impacto na geopolítica global.
Nenhum comentário:
Postar um comentário