FERNANDO REINACH - O Estado de S.Paulo
As maletas de médicos estão desaparecendo. Antigamente, todo médico andava por aí carregando a sua, com equipamentos que podiam auxiliá-lo a diagnosticar e tratar o paciente no local. Lá estavam o estetoscópio, uma pequena lanterna para examinar a garganta, um instrumento para examinar o ouvido e, antigamente, uma pequena caixinha de aço inox com uma seringa de vidro e algumas agulhas. Alguns até levavam a lamparina de álcool para esterilizar a seringa. Com poucos instrumentos e alguns medicamentos, consulta, exames, diagnósticos e tratamento eram executados à beira do leito, geralmente na casa do paciente.
Os consultórios surgiram nas cidades e esses equipamentos migraram para dentro de uma gaveta. Exames passaram a ser feitos em laboratórios, injeções e os remédios migraram para farmácias. Essa sofisticação da medicina permite diagnósticos mais seguros e tratamentos mais eficientes, mas é impraticável em países onde a infraestrutura médica é pouco desenvolvida ou em áreas rurais distantes. Nesses lugares, os médicos ainda precisam de suas maletas. A Fundação Bill e Melinda Gates tem incentivado o desenvolvimento de equipamentos que possam levar para dentro da maleta parte dos sofisticados métodos de diagnóstico hoje encontrados nos laboratórios de análise clínica.
Um dos problemas é o diagnóstico de parasitas, as lombrigas e similares. Mais de 2 bilhões de pessoas estão infectadas por esses parasitas, a grande maioria em regiões pobres e rurais. O diagnóstico dessas infecções é simples, mas depende de microscópio. As fezes são coletadas, tratadas com corante e colocadas entre dois pedaços de vidro (lâmina e lamínula). Esses sanduíche é examinado em um microscópio para verificar a presença dos ovos que os parasitas liberam nas fezes (eles contaminam o solo e infectam outras pessoas). Contando os ovos e identificando o tipo de verme pelo tamanho e forma dos ovos, o médico pode avaliar se a pessoa está infectada, a gravidade da infecção e o tipo de parasita. Feito isso, é só ministrar o remédio. Mas como fazer isso em uma comunidade rural? É necessário um microscópio que custa milhares de reais, que é grande, difícil de transportar e necessita de eletricidade.
Médicos canadenses, americanos e suíços que estava estudando a prevalência desses parasitas na vila de Pemba, na Tanzânia, tiveram uma ideia. Não seria possível usar a câmara fotográfica de um iPhone para examinar as fezes dos pacientes e detectar a presença dos ovos de parasitas? Eles compraram uma pequena esfera de vidro de 3 milímetros de diâmetro (R$ 30), um rolo de fita adesiva de duas faces (R$ 15) e dois pedaços de papelão (R$ 1). Na fita de duas faces, fizeram um pequeno orifício de menos de 2 mm e colocaram a lente de vidro sobre a lente da câmara de um iPhone 4S e a fixaram no local com a fita adesiva. Como a fita era de duas faces, colaram os dois pedaços de papelão ao lado da lente esférica. Pronto, estava feito o microscópio. Eles colocaram esse microscópio sobre a lamínula da amostra e examinaram a amostra de fezes iluminadas por uma lanterna na tela do iPhone. Surpresa, era possível identificar os ovos de parasitas.
Como tinham levado a Pemba os equipamentos modernos necessários ao diagnóstico dessas infecções, até mesmo um ótimo microscópio (R$ 100 mil), resolveram fazer um estudo comparando a eficiência desse microscópio improvisado com um microscópio sofisticado.
As fezes de 199 pessoas foram examinadas usando os dois equipamentos. As pessoas que examinaram amostras no iPhone não sabiam que resultados haviam sido obtidos com o uso do microscópio sofisticado. Os resultados são animadores. Nos casos de parasitas com ovos grandes, o acerto foi de até 93% com o iPhone, mas, nos casos em que os pacientes estavam infectados com parasitas de ovos pequenos e o número de ovos era pequeno, o acerto caiu para 45%. No total, médicos acreditam que esse método é capaz de acertar o diagnóstico de 75% dos casos. Se esse número puder ser elevado a 80% a 85% dos casos, o microscópio improvisado pode substituir o normal. Já no ano que vem, quando voltarem a Pemba, vão levar outros modelos de smartphone com diferentes combinações de lentes.
Esse é um exemplo de como levar parte da medicina moderna a regiões isoladas. E com fundações estimulando esses desenvolvimentos é provável que a maleta dos médicos volte à moda.
* MAIS INFORMAÇÕES: MOBILE PHONE MICROSCOPY FOR HELMINTH DIAGNOSIS. AM J. TROP. MED. HYG. DOI/10.4269/AJTMH.12-0742 2013.
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