Corte decide que casamento entre pessoas do mesmo sexo tem direito a benefícios iguais aos heterossexuais
Tribunal derrubou ainda plebiscito que revogava a união gay na Califórnia --agora, o 13º Estado a permitir esse matrimônio
Em outra decisão, o Supremo derrubou o plebiscito que havia revogado o casamento gay na Califórnia, o que o torna o 13º Estado a reconhecer essa união, além do Distrito de Colúmbia, onde fica a capital, Washington.
Um terço da população do país já vive em Estados que aprovam a igualdade.
De declaração conjunta de Imposto de Renda à Previdência, todas as leis federais reconhecerão esses casais com os mesmos direitos dados aos heterossexuais.
Uma das maiores mudanças afeta vistos de estrangeiros casados com americanos. Só americanos heterossexuais podiam pedir visto permanente aos cônjuges estrangeiros. Cerca de 30 mil casais binacionais gays podem agora requerer o mesmo.
HEROÍNA DA CAUSA
A ação contra o governo foi iniciada por Edith Windsor, 84, que teve relacionamento de 44 anos com Thea Spyer. Elas se casaram no Canadá em 2007, onde o casamento gay havia sido aprovado, mas moravam em Nova York.
Quando Thea morreu, Edith teve que pagar US$ 363 mil em impostos para ficar com a herança. Se fosse um casal heterossexual, ela não teria pagado nada.
Foi assim que ela decidiu tentar derrubar a Lei de Defesa do Casamento, assinada por Bill Clinton, em 1996, aprovada por democratas e republicanos. Neste ano, o próprio Clinton disse que a lei era "um erro". Edith vai pedir o dinheiro de volta.
O presidente Barack Obama, em voo para a África, ligou para Edith. Ele a felicitou por "uma luta que dignifica o país" e tuitou "Love is love" [Amor é amor].
A Corte não usou a decisão de ontem para aprovar o casamento gay em todo o país --o que foi criticado em editorial pelo "New York Times". Em 33 Estados os casamentos civis homossexuais permanecem vetados por lei.
O advogado David Boies, autor da ação que derrubou a revogação dos casamentos gays na Califórnia em 2008, afirmou à rede CNN que a decisão do Supremo "cria jurisprudência para desafiar leis discriminatórias no país inteiro". "Não tem volta."
Alguns casais de Estados do sul até se casam nos Estados mais liberais do norte, mas não têm seus casamentos reconhecidos onde moram. Agora a lei federal reconhecerá também esses casais.
Plateia na Corte deu as mãos e chorou no anúncio da decisão
DE WASHINGTONA fila para garantir um lugar na sessão histórica no Supremo americano começou por volta das 19h de anteontem. Cem pessoas puderam entrar na Corte. Os 50 primeiros com senha ingressaram às 7h de ontem e tiveram café à espera."Todos ficamos de mãos dadas e começamos a chorar quando o resultado saiu", disse à Folha Lane Hudson, ativista há 15 anos, que chegou à 1h da manhã na fila e assistiu ao julgamento.
A Corte foi cercada por aproximadamente mil ativistas e curiosos, que começaram a pular e a gritar com o anúncio das decisões, por volta das 10h de ontem.
Com muito sol e temperaturas que variavam de 33ºC a 36ºC, gays e simpatizantes se valeram de sombrinhas e chapéus. Alguns suavam em bicas por causa do traje de "noivos" que levaram --vários usavam paletós e gravatas-borboleta com bermudas em tons pastel.
Dezenas de redes de TV pediam aos casais presentes que repetissem beijos estalados para as imagens da celebração. Ao contrário de anos anteriores, não havia manifestações contra o casamento gay na entrada da Corte.
Nas escadarias, o Coral dos Homens Gays de Washington cantou "Make them hear you" [Faça-os Escutarem Você], do musical "Ragtime".
"Quando Obama foi eleito, os negros se sentiram mais fortes. Hoje foi o dia de os gays sentirem mais força", disse Hudson. (RJL)
Casal de modelos comemora com bolo em bar na Califórnia
FERNANDA EZABELLADE LOS ANGELESOs modelos Brandon Brown, 28, e Colby Melvin, 25, noivos há quatro meses, cortaram um bolo de casamento simbólico na manhã de ontem, num bar do bairro gay de Los Angeles, para celebrar a volta da permissão para a união de pessoas do mesmo sexo na Califórnia.Cerca de 30 ativistas se reuniram às 7h no bar e restaurante The Abbey, mais famoso do West Hollywood, para assistir ao vivo a sessão da Suprema Corte.
O tribunal decidiu derrubar o resultado do plebiscito de 2008 que proibia o casamento gay no Estado, o mais populoso dos EUA (38 milhões de habitantes).
"Em 2008, nem ligava para isso. Mas agora que tenho um parceiro, dou valor para as conquistas e tenho ajudado no movimento", disse Brandon, ativista gay e dançarino do The Abbey. Ele conheceu Colby há um ano. Os dois começaram a viajar pelo país para divulgar a causa dos direitos civis dos gays.
O governador do Estado, Jerry Brown, pediu ontem que todos os condados da Califórnia estejam prontos para emitir licenças de casamentos gays.
Segundo um estudo da UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles), 37 mil pessoas do mesmo sexo devem se casar na Califórnia nos próximos três anos, gerando US$ 492 milhões (R$ 1 bilhão) em negócios.
ANÁLISE
Opositores veementes à união gay se arriscam a ficar para trás
LUCIANA COELHODE SÃO PAULOAinda não é o casamento gay, como muitos sonham, mas é o reconhecimento ante a lei americana de que todos os cidadãos do país são iguais, independentemente de sua orientação sexual.Embora dividida, a Suprema Corte derrubou o trecho da Lei da Defesa do Casamento (Doma, na sigla em inglês) que barrava cônjuges gays de benefícios federais concedidos a casais heterossexuais.
Fez história, é verdade, mas não sozinha. Nem à toa.
Não por acaso, tampouco, Obama é o primeiro presidente dos EUA a abraçar, no cargo, a união entre pessoas do mesmo sexo: de 1996, quando o também democrata Bill Clinton aprovou a Doma, para cá, o apoio a esse direito saltou de 27% para 53%, afere o Gallup.
A questão é partidária, mas sobretudo geracional. Entre quem tem menos de 30 anos, 70% se declaram a favor do casamento gay (ante 41% dos maiores de 65).
Opositores veementes do casamento gay se arriscam a ficar para trás. Ainda que o apoio cresça mais lentamente entre os republicanos (de 16% para 26% em 17 anos), jovens que promovem o descolamento entre conservadorismo econômico e social se veem mal representados.
É preciso notar que a Suprema Corte não chancelou o matrimônio gay. Esse lastro ainda cabe aos Estados --e hoje, 13 dos 50 dizem "sim".
O que fez foi garantir que benefícios federais dados a casais hétero valham também para todos os casais gays e seus filhos: pensões, heranças, benefícios médicos. Nisso, os americanos estão agora mais adiantados que nós.
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