Carolina Braga
Estado de Minas: 22/06/2013
De um lado, o carro de transmissão em chamas. Repórteres camuflados em serviço, enquanto colegas sentem na pele o poder de fogo – seja de balas de borracha da polícia, seja da hostilidade dos manifestantes. Do outro lado está o fluxo contínuo de informações, movimento aparentemente desordenado de fatos e opiniões que surgem em ritmo vertiginoso – e sem filtros – nas redes sociais. Não importa se o emissor está nas ruas ou em casa, o volume e a velocidade de publicação são sempre incessantes, oriundos de fontes diversas.
A princípio, parecem modelos distintos ou até antagônicos de comunicação. A repetição da velha (e já cansativa) dicotomia entre mídia tradicional versus mídia colaborativa, cada uma no seu quadrado. Será mesmo? Os acontecimentos recentes no Brasil nos instigam a pensar sobre algo que há tempos bate à porta: as mídias tradicionais dão conta da fome comunicativa do mundo contemporâneo?
Parece que não.
Está claro que as manifestações que se espalham pelo país tiveram R$ 0,20 como pólvora para a explosão da insatisfação generalizada em relação às condições de vida. Como lembra o sociólogo espanhol Manuel Castells, também foi assim no Panelaço da Islândia (2008), na Revolução do Jasmim, na Tunísia (2010), com os indignados da Espanha (2011), com o Ocuppy Wall Street, nos Estados Unidos (2011), e nos recentes episódios na Turquia. Cada povo sabe o que quer.
Temas que pouco a pouco transformaram o dia a dia em algo insuportável eclodiram em protestos com reivindicações difusas, organizados inicialmente pela internet. No caso brasileiro, há o nítido não ao colapso da infraestrutura do país, aos desmandos dos governantes, à ausência de políticas eficientes em áreas fundamentais como educação, saúde, transporte, segurança etc. No mesmo pacote, de modo nem tão explícito assim, há o recado “ao mecanismo tradicional da mídia”, como ressaltou a presidente Dilma Rousseff. A “fábrica” de notícias precisa de reformas.
Tornou-se nítido o quanto a mídia tradicional é desacreditada nas redes. Por sua vez, rádios, TVs, jornais e revistas ressaltam o caráter ruidoso daquilo que circula on-line. Há uma briguinha velada. Talvez como consequência disso, veem-se também tentativas de ambos os lados de procurar explicações para o que já está nas ruas. Há quem tente deslegitimar o movimento ao apontar a inexistência de líderes ou bandeiras claras. “Essa é a percepção típica. Estão tentando enxergar por uma lente antiga”, afirma Carlos d’Andrea, professor de comunicação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Isso também vale para a velha mídia.
Carlos d’Andrea acredita que tanto a crítica voltada para a mídia tradicional quanto iniciativas diferentes de comunicação na rede que emergem junto com o despertar do “gigante” revelam potencialidades de ruptura com o modelo de comunicação em vigor. Basicamente, há nítida mudança de lógica que poderia ser incorporada de maneira menos traumática à prática comunicativa contemporânea.
A lógica é a maneira como a informação flui de modo generalizado. Cada lógica é composta por uma ou várias configurações que ilustram como se dá o fluxo da comunicação. Dentro disso, rádio, televisão, jornais, revistas etc. se caracterizam historicamente como centros irradiadores. Quando pensamos nos meios de comunicação de massa dentro da dinâmica de rede, o primeiro conflito se dá no fato de a lógica transmissiva não priorizar as possibilidades de intercâmbio entre fluxos informacionais que compõem a rede e são próprios da lógica colaborativa vigente no Facebook, no Twitter, Istagram e suas variantes. As desqualificações, muitas vezes jocosas voltadas à rede, rolavam soltas. Resumindo: um enfrentamento besta.
A base da rede são as conexões. Então, além da transmissão também presente na web, outras lógicas se misturam e podem conviver harmoniosamente. É sadio que seja assim. “Um caminho ideal é o esforço de complementação de ambas as partes. Há coisas que só a mídia massiva tem condições de fazer, tais como imagens aéreas, contato direto com hospitais, com a polícia para confirmar as informações. Nesse sentido, o jornalismo profissional é fundamental para checagem de informações”, analisa Carlos d’Andrea.
Por outro lado, o cidadão conectado – e no olho do furacão – tem condições de alimentar a mídia massiva com uma série de pequenos relatos muito mais preciosos e reveladores do que uma tentativa de explicação ou síntese. A insistência na “guerrinha” transmissão versus colaboração pode encobrir a questão central: como saciar a fome comunicativa de uma geração que cresce em meio à abundância informativa? Não é apedrejando repórter nem ignorando o fluxo da web.
Hibridismo “Ao mesmo tempo em que havia uma desconfiança, existia uma euforia. Agora, a gente tem certeza de que não se pode ignorar o papel das redes sociais”, diz Gustavo Magalhães, estudante do 6º período de jornalismo. Junto com 30 colegas ele criou no domingo passado, dentro da Faculdade de Comunicação da UFMG, a hastgag #bhnasruas, página no Facebook dedicada à cobertura das manifestações. Em três dias de atividades, já reunia quase 65 mil seguidores.
A maneira como os estudantes trabalham incorpora uma dinâmica híbrida. Ao mesmo tempo em que parte da equipe vai para as ruas, o restante se dedica a apurar a veracidade das informações circulantes – nesse caso, tudo o que pipoca nas redes do Facebook e do Twitter também é checado nas emissoras de televisão, sites dos principais jornais, revistas e portais. Não é aquele padrão repórter vai para a rua, conversa com a polícia, verifica os números, entrevista alguns manifestantes – e pronto, acabou. No caso do #bhnasruas, o ritmo de apuração é contínuo em texto, imagem e vídeos.
“Parece-me mais rico fazer uma leitura da diversidade de tuítes e publicações no Face do que ir para a rua, fazer dois ou três depoimentos e dizer, de alguma maneira, o que é aquilo. É um esforço de síntese, um reducionismo”, critica D’Andrea. Segundo Gustavo, antes da formalização da comunidade, os estudantes perceberam que as informações recebidas em tempo real por meio das redes sociais eram demasiadamente dispersas e repetidas. “Vimos a dificuldade das pessoas de se informarem por ali, até por causa da difusão de informações. Como não havia fonte de informação mais concisa e confiável no Face, nos mobilizamos”, conta.
Outro exemplo desse tipo é o caso da pós-TV. Durante a manifestação de segunda-feira passada, em São Paulo, enquanto no estúdio da Globo News professores e pensadores buscavam explicações para os fatos, um dos manifestantes transmitia ao vivo a própria experiência, por meio do celular, no calor da hora. “É um modelo de emissão impressionante”, elogia Carlos d’Andrea.
É claro que não falamos aqui de quadros estáticos e muito menos de mudanças já em curso. São, basicamente, tentativas de interpretar sinais iluminados por fatos recentes. Sendo assim, estamos longe de sugerir o caminho das pedras. O que podemos, sim, é refletir sobre possibilidades. A articulação dos modelos de comunicação parece uma alternativa.
“Não tenho nem visto os jornais impressos. Não teria nada ali de relevante. Folheei capas e fotos, mas nem parei para ler. Realmente, os jornais ficam em situação complicadíssima: quando são publicados, os manifestos já recomeçam. Então eles, mais do que nunca, já chegarão às ruas velhos. Fecha a edição antes de acabar a confusão”, comenta o professor. Ou seja: é quase urgente que veículos tradicionais repensem seus papéis nessa nova ciranda.
O que um jornal impresso tem a acrescentar – e se diferenciar – em um cenário como esse? E as televisões, como poderiam complementar os fatos relevantes em circulação na rede? As emissoras de rádio têm como se diferenciar ainda mais? E as coberturas colaborativas, o que podem agregar aos meios tradicionais? No calor do momento histórico, ainda sobram perguntas.
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