Correio Braziliense - 17/06/2013
Unicamp desenvolve medicamento a partir do crajiru, planta
encontrada e utilizada para fins medicinais em todo o país. O novo
produto promete beneficiar diabéticos com ulcerações e pacientes
imunodeprimidos
Belo Horizonte — No Nordeste, chá contra cólicas e tratamento de
micoses. Para os índios da Amazônia, tinta para a pele. Em Passos de
Minas (MG), banho de assento e tratamento contra picada de insetos. A
sabedoria popular já utiliza a Arrabidaea chica verlot, conhecida
popularmente como crajiru. Ao lado do alho, do caju e da carqueja, a
planta está na relação nacional de espécies medicinais de interesse do
Sistema Único de Saúde (SUS), que reúne cerca de 70 itens. Em 2003, um
projeto de uma empresa de cosméticos resolveu investigar o crajiru para
a produção de batons. O estudo, realizado por pesquisadores da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), acabou levando a outras
descobertas, como a potencialidade de se criar outro medicamento
fitoterápico para cicatrização de lesões de pele e mucosa.
O novo produto não deve ser apenas mais um no mercado. Os estudos
comprovam que ele tem poder cicatrizante muito eficiente e pode atender
pacientes diabéticos com ulcerações e imunodeprimidos (pessoas cujo
sistema imunológico está enfraquecido). "O crajiru tem baixa toxicidade
e eficiência alta", afirma Mary Ann Foglio, coordenadora do projeto e
pesquisadora da Divisão de Fitoquímica do Centro Pluridisciplinar de
Pesquisas Químicas, Biológicas e Agrícolas (CPQBA) da Unicamp.
No Brasil, de acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD),
há cerca de 12 milhões de pessoas acometidas com esse mal. Adriana
Bosco, presidente da SBD Regional Minas Gerais e coordenadora do
Ambulatório do Diabetes tipo 2 da Santa Casa de Misericórdia de Belo
Horizonte, explica que, quando a doença não é controlada, com o tempo, a
pessoa perde a sensibilidade dos membros inferiores e qualquer lesão
pode virar uma úlcera. Há vários medicamentos para tratar os ferimentos
em diabéticos, como pomadas e géis específicos.
No laboratório, testes bem-sucedidos para cicatrização de lesões de pele e mucosa
O SUS fornece alguns deles. "O ideal é sempre a prevenção, porque
depois é mais difícil de controlar. Mas tudo que vem para contribuir
para a cura desse mal é muito bem-vindo. Ainda mais se a matéria-prima é
brasileira", afirma Adriana.
Apesar de ser encontrada em todo o país, a Arrabidaea chica verlot é
mais comum na Amazônia, onde os indígenas também a utilizam para
combater infecções fúngicas. Mary Ann Foglio conta que foi feito um
estudo com as populações para saber qual tipo era o mais adequado para o
fim pretendido. "Determinamos as variedades e pesquisamos para montar o
conteúdo químico de acordo com as estações e o efeito farmacológico.
Quanto mais rico em antocianosídeos — substâncias de origem vegetal que
demonstram uma poderosa atividade antioxidante, capacidade de promover
a biossíntese do colágeno e impedir sua degradação —, maior o poder de
cicatrização", diz.
Foglio esclarece que a equipe, de cerca de 20 pessoas, vai começar a
etapa dos estudos clínicos depois de ter passado pela pesquisa com
animais. Várias teses sobre a planta estão em andamento. "Ainda leva um
tempo até o medicamento chegar ao mercado. Mesmo porque temos que
encontrar empresas interessadas em produzi-lo", explica. Além desse
entrave, há desafios a serem enfrentados, como garantir uma coloração
esteticamente melhor, pois o produto deixa a pele avermelhada
(parecendo sangue), e descobrir uma forma para que o crajiru não se
degrade facilmente, já que ele é um composto muito sensível aos efeitos
do ar. É necessário ainda descobrir por quanto tempo o medicamento
fica na corrente sanguínea e o tempo que leva para sair do corpo.
O crajiru ocorre em todas as regiões do país, porém é mais comum na
Amazônia, onde índios a usam para combater infecções por fungos
Patentes
A pesquisadora da Unicamp foi orientadora da dissertação de mestrado
sobre o crajiru de Ilza Maria de Oliveira Sousa, que avaliou a
estabilidade do extrato seco e criou formulações semissólidas com os
extratos padronizados a partir das folhas da espécie. O trabalho gerou o
depósito de uma patente em relação às técnicas para produção de
nanopartículas de longa duração. Há ainda outro pedido de patente para
os processos para microencapsulação do extrato da planta.
Ilza Sousa explica que se decidiu pelo encapsulamento para aumentar a
vida útil do composto. Ela produziu microcápsulas com três materiais
diferentes: goma de cajueiro, goma arábica e mistura de goma arábica e
maltodextrina. Essa última perdeu a coloração depois de 30 dias de
armazenamento, mas com outra matriz se manteve por seis meses. Depois
desses testes, ela passou a produzir cremes e diferentes tipos de géis,
atestando que o de carbopol e o natrosol reduziram de 70% a 80% a área
cutânea ulcerada. Enquanto o grupo de controle reduziu apenas 37%.
Ela conta que ainda não há medicamento natural para cicatrização de
pacientes imunodeprimidos. "Trabalhar nesse projeto é uma satisfação
pessoal grande, porque alcançamos o objetivo do grupo, que é a pesquisa
de medicamentos de uso popular para doenças negligenciadas, aquelas
que afetam a população mais carente. Podemos incluí-lo, futuramente, no
sistema público de saúde", conta.
Trepadeira
O crajiru é uma espécie trepadeira encontrada em todo o território
brasileiro, mas é mais comum na região amazônica. Algumas espécies do
Sul do Brasil não têm o poder cicatrizante tão bom quanto o de outras
regiões. Atribui-se à planta propriedades terapêuticas para
enfermidades da pele. O Centro de Pesquisa Agroflorestal da Embrapa de
Rondônia também informa sobre outros usos medicinais, como em infecções
de origem uterina e males do fígado, do estômago e do intestino, além
de serventia para leucemia e conjuntivite aguda.
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