segunda-feira, 17 de junho de 2013

Onda de protestos e crimes em São Paulo eleva a audiência de programas de TV como o do apresentador Marcelo Rezende

folha de são paulo
Violência no ar
Onda de protestos e crimes em São Paulo eleva a audiência de programas de TV como o do apresentador Marcelo Rezende
MORRIS KACHANIDE SÃO PAULOOs últimos picos de audiência atingidos pelo programa "Cidade Alerta", da Record, atestam uma velha máxima sobre o fazer midiático: a de que violência e ibope andam de mãos dadas.
O programa bateu os 13 pontos e neste patamar se manteve, no calor da pancadaria que se espalhou pelas ruas de São Paulo na última quinta, durante os protestos do Movimento Passe Livre. Enquanto a passeata fluía sem incidentes (até as 19h10), a audiência oscilava em torno dos 9 pontos.
O "Cidade Alerta" vem numa curva ascendente. Quando Marcelo Rezende, 58, estreou no comando da atração, o ibope girava na vizinhança dos 6 pontos. Hoje, um ano depois, o jornalístico crava 9.
O concorrente "Brasil Urgente", da Band, registrava média de 7 pontos antes da escalação de Rezende para o "Alerta". Estacionou nos 4.
Publicidade nunca foi o forte desses programas. Ainda assim, Rezende conta que o número de anunciantes cresceu. "Antes, tínhamos três propagandas em cada break'. Agora são seis, a maioria para donas de casa." Ele afirma que o seu público inclui as classes A, B e C.
Mas Rezende concorda que expor crianças a seu programa não é o ideal. "Uma avó comentou que seu neto de três anos adorava quando eu falava corta' para o câmera. Eu brinquei: Tem que botar ele para ver Carrossel'."
E em que medida a alta de índices de violência na Grande São Paulo, como o de latrocínios (74% no primeiro quadrimestre), explica o quadro? Para José Luiz Datena, 56, do "Urgente", "é evidente que, com bombas explodindo, a audiência vai subir".
Às acusações de exploração da violência ou à menção da expressão "mundo-cão", os dois reagem veementemente. Datena admite que a cobertura de polícia ocupa o grosso de seu programa, mas devolve: "Proporcionalmente, a do Jornal Nacional' também". E provoca: "Novela não é violência?".
Rezende, que defende no ar a ideia de que brasileiros parem de pagar impostos, atribui o sucesso ao fato de que "as pessoas se sentem representadas". "Trazemos uma reflexão sobre cidadania e segurança, algo que nem nas escolas é discutido."
    Datena e Rezende atingem cerca de 900 mil famílias
    DE SÃO PAULO
    José Luiz Datena e Marcelo Rezende atingem juntos mais de 900 mil lares na Grande São Paulo, por quase seis horas diárias.
    Sobre os protestos na última quinta-feira, ambos mais concordam do que divergem. Os dois são contra o aumento tarifário. Para Datena, "é político e veio fora de hora". Para Rezende, "o salário da população não acompanha a inflação gigantesca".
    Na quinta-feira, Datena ficou entre os temas mais comentados no Twitter. Isso porque, durante o programa, houve a seguinte enquete: "Você é a favor de protesto com baderna?". Foram 2.179 votos no "sim" e 915 no "não".
    "Fiquei surpreso", diz. Insatisfeito com o resultado, reformulou a questão: "Você é a favor deste tipo de protesto?". Houve 2.090 votos para "sim", e 1.477 para "não".
    "O que era ventania virou furacão. Antes, era movimento pelo passe livre. Agora, virou movimento social. O Estado não quer isso, mostrou os dentes, não vai retroceder. As coisas podem piorar no próximo protesto", prevê.
    Nas passeatas anteriores, Datena criticou duramente as depredações e apoiou a ação policial. Agora, diz que se emocionou com as primeiras imagens da passeata na quinta: "Era democrático e bonito de se ver. Me lembrou o impeachment, as Diretas Já".
    Para ele, o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e o prefeito Fernando Haddad (PT) "fizeram a coisa mais esdrúxula" na semana passada indo a Paris vender a Expo 2020, feira internacional pleiteada por São Paulo. "Quem vai querer a Expo numa cidade com essas ocorrências?"
    Rezende enxergou uma dupla falta da polícia: os abusos cometidos por alguns membros da corporação e a incapacidade de identificar os "baderneiros" do movimento. "A inteligência da polícia teve tempo suficiente para monitorar as redes sociais e já deveria saber quem são."
    Para ele, a questão é a impunidade: "É preciso reavaliar o sistema, discutir a prisão perpétua e a pena de morte, às quais sou favorável dependendo do caso".
    "Um cara que matou 130 vezes não vai virar a madre Teresa", diz. "Mas não vale só para o pobre. Por que o Maluf não vai para a cadeia?", pergunta o apresentador, em seu escritório na Record.
    Rezende conta que, na semana passada, comprou um carro blindado por conta da escalada da violência.
    Uma foto solitária do escritor alemão Thomas Mann enfeita a parede de sua sala.
    "É meu escritor predileto. Gosto de Morte em Veneza', da maneira como é construída a atmosfera erótica que se estabelece entre os personagens. A suavidade das palavras, as hesitações dos olhares, o ímpeto contido, é a coisa mais erótica que já vi", diz o apresentador, que também é enófilo e adora cozinhar.
    Rezende diz ser amigo de Datena: "É mais do que um jornalista, é um comunicador". Datena retribui: "Rezende é ótimo jornalista e tem uma equipe muito boa".
    ANÁLISE
    Sensacionalismo tem hoje a sua concorrência maior na web
    NELSON DE SÁDE SÃO PAULONa última sexta, depois de um dia inteiro de vídeos e relatos que expuseram a violência da Tropa de Choque, na internet, José Luiz Datena e Marcelo Rezende surgiram inconsoláveis, na TV aberta.
    Esforçaram-se em repetir a defesa costumeira da PM, falando dos baixos salários, mas sem convicção.
    Estavam acuados sobretudo pelas evidências on-line, que até citaram aqui e ali, mas também por que a PM havia atacado, além dos manifestantes, jornalistas.
    No dia anterior, ao vivo, Rezende já havia tomado a defesa da classe no "Cidade Alerta". "Para que isso nos fotógrafos? Eu duvido que o governador há de concordar com essa atitude exagerada."
    Datena só foi entrar no assunto no "Brasil Urgente" de sexta. "Era necessário meter bala na cara de quem não era baderneiro?", perguntava. "Pode ser jornalista."
    Juntos, os dois somam três décadas como animadores de programas policialescos. Carregam glórias como a narração de um suicídio e a entrevista exclusiva e dramatizada com um "serial killer".
    Estão acostumados a imagens de violência extrema, mas não da polícia, da qual ambos dependem para preencher suas muitas horas diárias de programação.
    Os vídeos que mais marcaram a cobertura da manifestação de quinta-feira não surgiram nem no "Cidade Alerta" nem no "Brasil Urgente", mas no YouTube.
    Um deles, do Portal do PSTU, mostra a Tropa de Choque no meio da rua da Consolação, cruzamento com Maria Antônia, atirando para todo lado, a começar por fotógrafos e cinegrafistas.
    Outro vídeo, de autenticidade discutível, mas repercussão ainda maior, flagra um PM quebrando a janela de sua viatura, supostamente para simular um ato de vandalismo dos manifestantes.
    Imagens assim corroem, aos poucos, a rotina cansada do sensacionalismo.

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