segunda-feira, 17 de junho de 2013

Anna Veronica Mautner; Marcos Mendonça [Tendências/Debates}

folha de são paulo
ANNA VERONICA MAUTNER
Geografia especial
Éramos a Turma da Maria Antonia, uma patota ousada. Não pensávamos no futuro. Estávamos juntos para pensar e crer. Intelectuais de vanguarda
Antigamente, mas não há tanto tempo assim, as patotas muitas vezes ganhavam o nome das ruas, praças e bares em que se reuniam.
Eu vou falar da minha rua, da minha patota. A chamada Turma da Maria Antonia ficava transitando entre a própria rua Maria Antonia, a rua Doutor Vila Nova e a praça Leopoldo Froes.
Na rua Doutor Vila Nova, ficava também o colégio Rio Branco, anos depois transferido para a avenida Higienópolis, deixando lugar para o Sesc, lá até hoje.
Na época, ainda existia o bonde Vila Buarque. Não tínhamos indústria automobilística e quase nenhum de nós tinha automóvel.
A escola, a faculdade, o grêmio eram os lugares onde nasciam os "homo politicus" de então.
Foi por aí que muitos humanistas, anos depois famosos, nasceram. Ruth Cardoso, Fernando Henrique, Lourdes Sola, Giannotti, Bento Prado, Paul Singer e tantos outros. Toda uma geração que se alimentava mutuamente.
O lugar de namorar era a praça Leopoldo Froes, bem arborizada, de noite apelidada como o "centro de namoro S/A".
Muitos de nós nos casamos entre nós, muitos só namoramos, mas éramos uma geração que se reconhecia como tal. Éramos uma patota ousada. Não pensávamos no futuro. Queríamos estar juntos para pensar e crer. Intelectuais de vanguarda.
Por ali, não havia nada de bar chique. Era tudo de pé na calçada ou em mesinhas de plástico. Professores podiam entrar, mas não frequentá-los. Não era para a geração deles. Naquele tempo, ainda mantinham a liturgia dos cargos.
Um dia, na década de 60, Ruth Cardoso, Fernando Henrique e, se não me engano, Paul Singer chegavam de uma reunião de estudantes e operários no ABC, moda na época. Ao encontrar a turma papeando no Pompom (um dos bares locais), contaram que tinham conhecido um sindicalista genial, um grande orador. Adivinha quem era? Luiz Inácio da Silva. Foi assim que na nossa cabeça nasceu o mito Lula, que depois divulgamos para o resto dos coleguinhas socialistas, comunistas e esquerdistas.
Anos depois, a cidade universitária, lá no Butantã, absorveu a Faculdade de Filosofia, e tudo mudou. Diluiu-se a patota. Nada de saudosismo. Esse novo mundo é apenas diferente do anterior. O que na Maria Antonia estava reunido --Letras Clássicas e Modernas, Sociologia, Pedagogia-- se misturou na cidade universitária, apesar da distância entre os prédios.
Alguns migraram de área, como, por exemplo, Antonio Candido, que saiu da sociologia para adentrar a teoria literária, como também o fizeram Roberto Schwarz e Walnice Nogueira Galvão. Outros, como o Gabriel Bolaffi, foram para a arquitetura. Poderia citar mais nomes, todos grandes mestres que nasceram de uma confluência de ruas.
Por que escrevi isso? Porque ninguém mais --que eu saiba-- o fez. Alguns esqueceram (duvido!). Outros, como eu, guardam essas memórias só para si. Hoje achei que valia a pena marcar na geografia da cidade o local onde nasceu uma certa cultura acadêmica, possivelmente a mais importante de São Paulo e talvez até do Brasil.
MARCOS MENDONÇA
Cultura para todos
O zapping alimenta a feroz concorrência entre emissoras. Mas a TV Cultura pode ocupar um belo nicho de mercado, os "sem-TV a cabo"
Com o avanço do modelo "triple play" --pacotes de assinatura compostos de banda larga, telefonia e TV paga-- faz sentido a existência de uma emissora de TV aberta financiada pelo Estado?
No caso da TV Cultura, que foi ao ar em 15 de junho de 1969 sob a gestão da Fundação Padre Anchieta, não tenho dúvida de que seu papel na oferta de conteúdo de alta qualidade é insubstituível.
Hoje, o zapping alimenta a feroz concorrência entre as emissoras. Mas a TV Cultura pode ocupar um belo nicho de mercado.
A grade que se aproxima dos 300 canais nos pacotes premium das TVs por assinatura ainda não alcança uma parcela da população. São os "sem-TV a cabo". Apesar da dita ascensão das classes C e D a uma pretensa nova classe média, milhões de pessoas, mesmo em São Paulo, Estado-alvo da Cultura, têm TV em casa, mas não o acesso à "cereja do bolo" da programação --os canais pagos que, a exemplo do National Geographic, apostam na difusão de conhecimentos em linguagem atraente e, assim, na formação complementar de crianças e adolescentes.
Há hoje crescente demanda por essa linha de produção --pesquisas incluem "Planeta Terra" e "Repórter Eco" entre os programas mais vistos pela classe C. O Brasil já se convenceu de que o sal da terra do desenvolvimento de um país está mais na educação do que no pré-sal. Mas inversões públicas no setor têm sido insuficientes, apesar de o governo federal declarar-se em lua de mel com a educação.
Por isso, não faz sentido questionar a existência de uma emissora como a TV Cultura.
Na nossa segunda gestão à frente da Fundação Padre Anchieta, retomaremos a intenção de fazer da TV Cultura uma emissora pública moderna na gestão e na interação com tecnologias digitais, voltada a um portal de conhecimento que estimule o hábito da leitura, a cultura musical, a diversidade do universo das artes.
Esse autêntico "biscoito fino" de uma TV vocacionada para a inclusão social pela educação compatível com as novas exigências do mercado de trabalho estará disponível, provavelmente já no próximo ano, num "filhote" da Cultura --a TV Cultura Educação, dirigida aos estudantes de ensino fundamental e médio, seus pais e professores.
Já o Canal Univesp, a Universidade Virtual, gestada em nosso primeiro mandato, ganhará reforço e nova roupagem.
Paralelamente, a TV Cultura "oficial" vai apostar no jornalismo público e independente e na dramaturgia, por meio da produção de docudramas baseados em contos nacionais. A programação infantil, a marca mais notável da emissora, será valorizada com investimentos em seus produtos-ícone. Como a TV Rá Tim Bum, primeiro canal dirigido às nossas crianças, com todos os produtos produzidos no Brasil, que, lançado em nossa primeira gestão, atinge 6 milhões de assinantes e tem grande potencial de crescimento.
Na faixa infantojuvenil, planejamos implementar um projeto de produção de desenhos animados --entretenimento universal, atemporal e sem a barreira da língua, que pode se transformar em produto de exportação do Brasil.
Importar sai mais barato. Mas um dos papéis primordiais da TV pública é valorizar nossas lendas, histórias, músicas, enfim, nossa cultura.
Recursos para levar esses planos do papel para a tela da TV serão buscados de maneira sistemática e transparente com parceiros privados ou por leis de incentivo fiscal e comercialização de produtos. Carência de verbas públicas não será justificativa para a estagnação.
A BBC, o mais vitorioso modelo de TV estatal de todos os tempos, tem se movido desde 1926 por um propósito que assumiremos, sem reservas, na nossa Cultura: fazer de um produto ótimo um produto popular e de um produto popular um produto ótimo.

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