segunda-feira, 22 de julho de 2013

Anitta, do "Show das Poderosas", diz que não ficou rica e que UPPs deixaram funk "light" - Rodrigo Levino

folha de são paulo
RODRIGO LEVINO
EDITOR-ASSISTENTE DA "ILUSTRADA"

No último final de semana, o álbum de estreia da cantora carioca Larissa de Macedo Machado, 20, lançado no dia 6 de julho, ganhou um "disco de ouro" por alcançar 30 mil cópias vendidas.
Larissa é o nome verdadeiro de Anitta, funkeira que se tornou fenômeno da música pop brasileira e é dona de um dos maiores hits do ano -"Show das Poderosas". O codinome é inspirado na personagem homônima da série de TV "Presença de Anita" (2001), de Manoel Carlos.
Lançado no "Fantástico" e publicado no YouTube em 19 de abril, o clipe da música que fala de autoafirmação e competição entre mulheres deve ultrapassar nesta semana 40 milhões de visualizações.
Para efeito de comparação, o clipe oficial de "Suit & Tie", parceria dos cantores americanos Justin Timberlake e
Jay-Z, listado entre os grandes lançamentos recentes, tem 43 milhões de visualizações em cinco meses.

Presença de Anitta

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Avener Prado/Folhapress
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Anitta chega para show na boate Royal Club, no Itaim, em São Paulo
A trajetória de Anitta é meteórica. Descoberta há três anos por um DJ de funk depois de publicar um vídeo em que cantava simulando o microfone com um frasco de perfume, a então estudante de curso técnico de administração começou a viver um conto de fadas do funk melody, subgênero mais palatável do pancadão carioca.
"Eu Vou Ficar", a tal música (composição dela), ganhou um trato no estúdio e serviu de chamariz para a Furacão 2000, maior produtora de funk do país. A estreia nos palcos veio em seguida.
"Foi num show em Nilópolis [RJ], num palquinho minúsculo, precário", contou Anitta à Folha, antes de se apresentar numa balada paulistana na semana passada, com ingressos a R$ 250, para um público de classe média alta. Seu cachê pode chegar a R$ 120 mil, a depender do formato do show, que completo tem 20 bailarinos e banda no palco.
O valor do ingresso daquela noite corresponde à metade do que ela ganhava como estagiária até 2010, quando se decidiu pela carreira artística, a despeito dos olhares desconfiados de alguns colegas. "Hoje eu malho numa academia vizinha ao escritório", diz ela com um tantinho de revanche.
A carreira, de início espontânea, foi turbinada no último ano. No começo do mês, Anitta e a Furacão 2000 deram por encerrado um processo trabalhista em que a cantora tentava se livrar do contrato inicial para seguir com uma nova produtora.
Até o acordo entre as partes, ela teve de pagar R$ 5 mil por show realizado sem a produção da Furacão. A liberdade lhe custou R$ 260 mil de multa rescisória.
TURBINADA
Kamilla Fialho, sua nova empresária, tratou do banho de loja. Anitta pôs silicone nos seios, fez plástica no nariz, se tornou a queridinha de famosos como Sabrina Sato, tem música ("Meiga e Abusada") incluída em novela da Globo ("Amor à Vida") e bate ponto em tudo quanto é programa de TV --de auditório a culinária.
A estratégia para os shows é a mesma. Ela vai da balada de playboy à casa de show de classe C, transitando entre o público adolescente e o universitário. A internet ainda é a sua grande plataforma de comunicação com os fãs --tem 300 mil seguidores no Twitter e 780 mil no Instagram.
No ano passado, a cantora deixou Honório Gurgel, bairro da zona norte do Rio onde morava com a mãe, e hoje vive em um apartamento alugado na Barra da Tijuca, paraíso de jogadores de futebol, periguetes e celebridades. Faz terapia, tem aulas de canto e teatro, personal stylist e acompanhamento de uma fonoaudióloga.
Na superfície, Anitta e a Furacão dizem que passado o imbróglio judicial a relação segue numa boa. Nos bastidores, a conversa é outra. Artistas ligados à produtora alegam que Anitta foi ingrata com quem a descobriu e investiu em sua carreira.
Ela conta não ter ficado rica ainda ("As pessoas esquecem que uma carreira não é só dinheiro chegando, é investimento também. E pesado"), mas ganhou dinheiro suficiente para comprar uma casa e trazer a mãe para perto. Só falta tempo para escolher o imóvel.
DOMESTICADA
A chave para entender o sucesso da cantora passa pelo que se pode chamar de domesticação do funk. No lugar das letras de apologia ao crime e de sexo explícito, uma garota de classe média fluente em inglês, composições em que apelo sexual e ingenuidade adolescente se entrelaçam, e coreografias muito coladas às músicas.
"O artista de funk canta o que ele vive e, para fazer sucesso na favela, precisava falar de drogas, crimes, sacanagem. Com a chegada das UPPs [Unidade de Polícia Pacificadora] e o fim dos bailes, para que cantar sobre isso? O MC já pode fazer sucesso no asfalto com letras mais lights", justifica ela, sobre a linha mais "família" (se comparada a nomes como Valeska Popozuda e Tati Quebra-Barraco) de suas músicas.
O tom de autoafirmação e uma espécie de feminismo intuitivo pontuam quase todas as 14 músicas do disco de Anitta, a maioria de sua lavra. Para a psicanalista Regina Navarro Lins, versos como "não tô a fim de historinha, conversa fiada/ eu tô querendo homem, cachorro eu tenho em casa" e "faz o que quiser comigo na imaginação/ homem do teu tipo eu uso, mas se chega lá eu digo não" são o retrato de novos tempos.
"O homem já não tem a primazia do flerte, da conquista e muito menos do desejo", diz a especialista, apontando Anitta como um fruto dessa nova era e uma resposta a "5.000 anos de patriarcado".
"Anitta é competente. Nos tempos de hoje, da coisa maquinizada, nasce uma cantora que sabe cantar ao vivo", disse Ivete Sangalo. No final de semana retrasado, a baiana levou a carioca até Salvador para cantar "Show das Poderosas" em um festival. Na plateia, 90 mil pessoas.
É possível que ela demore ou nem sequer chegue ao patamar de Ivete. Mas para quem até pouco tempo a imitava, dançando e cantando na frente do espelho, Anitta já foi bem longe.

CRÍTICA - CD
Sem imagens, álbum expõe produção equivocada para quem nasceu no funk
THALES DE MENEZESEDITOR-ASSISTENTE DA "ILUSTRADA"A piada é machista, quase cafajeste, mas inevitável: o problema do álbum de Anitta é que ele não é um DVD.
É evidente que a música da cantora só serve para justificar a exibição corporal diante de fãs com hormônios ferventes, de ambos os sexos.
Sem as pernas à mostra, o que a moça canta é desprezível? Na verdade, não. É um produto musical inserido no atual pop nacional, como tantos. Apenas não faz a diferença, sob qualquer aspecto.
Sua voz tem um registro quase infantil, mas isso nunca chegou a ser grande problema para Britney Spears ou Christina Aguilera.
As letras são pobres, às vezes de mau gosto, mas outros "astros" brasileiros vendem milhões de discos com versos ainda mais rasteiros.
O imperdoável no caso de Anitta é que a música que produz não está colada à cena funk que a projetou.
"Anitta" é um álbum que tomou banho de estúdio. A moldura sonora exibe uma mistura sem sal de pop e dance, uma massa genérica que embala muitas cantoras por aí, de divas como Katy Perry e Claudia Leitte a esforçadas como Demi Lovato e Wanessa.
Faz as pessoas dançarem, claro. No caso de Anitta, faz também a própria dançar e remexer as curvas colossais.
Se Anitta tivesse mergulhado numa batida funk mais pesada, talvez suas músicas ganhassem alguma ousadia e deixassem de ser uma trilha sonora anódina para coreografias sensuais.

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