Que falem os fatos
Por trás dessa aparente improvisação do papa Francisco, existe método e coerência
É pela revolução silenciosa dos atos e gestos de cada dia que o papa Francisco vem mudando a Igreja Católica de modo radical e profundo. Não houve relatório bombástico como o de Khruschov no 20º Congresso do Partido Comunista soviético. Tampouco se anunciou novo concílio ecumênico, como fez o papa João 23. Até agora, ninguém ouviu do papa um discurso programático de reforma.
Nesse particular, seu comportamento parece inspirado, mais que em são Francisco, num dos primeiros franciscanos, santo Antônio. Num sermão, dizia este: "A palavra é viva quando são as obras que falam. Cessem, portanto, os discursos e falem as obras. Estamos saturados de palavras, mas vazios de obras".
Palavras e gestos são simples. Numa manhã, o papa diz na missa, na presença dos funcionários do banco do Vaticano, que São Pedro nunca teve conta bancária... no dia seguinte, desculpa-se por não ir ao concerto onde deveria sentar-se em poltrona majestática isolada dos demais e explica: "Não sou um príncipe da Renascença!". Nas palavras dirigidas aos bispos italianos, censura o "mundanismo", o "carreirismo eclesiástico", lamenta os bispos que se portam como "funcionários preguiçosos". Depois, abraça um a um...
Os tradicionalistas denunciam que ele "fa il parocco, non fa il papa", isto é, que age como pároco de aldeia, que ameaça dessacralizar a função papal ao recusar habitar os apartamentos pontifícios e passar férias em Castel Gandolfo, ao preferir singeleza na liturgia, pondo de lado paramentos e ritos elaborados, ao morar em hotel, tomar refeições junto a outras pessoas e não no esplêndido isolamento onde se tramam as conspirações de mordomos e cortesãos.
Mas que ninguém se engane. Por trás dessa aparente improvisação, existe método e coerência. Tudo --atos, decisões, opiniões-- aponta na mesma direção: pobreza evangélica, serviço dos outros, sobretudo dos mais pobres, dos que habitam as periferias do mundo e da vida, exigência de conversão radical, de esforço para aliviar a dor e o sofrimento.
Num de seus livros, sugere como se deu sua própria conversão: "Os padres das periferias e das favelas impuseram uma transformação nas mentalidades e no comportamento das autoridades eclesiásticas".
O diretor do jornal do Vaticano captou assim os quatro eixos da mensagem de Francisco: "Falar de Deus em termos de misericórdia e ternura; exigir o engajamento cristão concreto; trabalhar na simplificação de si mesmo e da igreja; voltar-se às pessoas que estão na periferia do cristianismo".
Não há nada de melífluo ou piegas nesse programa. Muito mais árduo do que o discurso do moralismo sem compaixão é colocar a vida a serviço dos outros. É o programa de Teresa de Calcutá e Francisco de Assis. Quantos, crentes ou não, são capazes de segui-lo?
A visita ao Brasil e o encontro com a juventude oferecem ao papa a primeira oportunidade de sair da praça de São Pedro e enfrentar os desafios contemporâneos. No momento em que se extingue Mandela, o último herói de um mundo desesperançado, o que dirá Francisco aos jovens vindos de toda a parte e em especial aos jovens brasileiros que nas manifestações deram voz à esperança?
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