ANÁLISE
Golpe é também contra a ideia de que os islâmicos podem formar governos
FÁBIO ZANINIEDITOR DE "MUNDO"Religião pode não ser o interesse central dos manifestantes da praça Tahrir, mais preocupados com a crise econômica, nem dos militares, cujo objetivo era voltar ao poder da forma possível.Mas é inevitável que o golpe no Egito seja visto também como um golpe contra a ideia de islamitas no governo.
A noção de que partidos islâmicos podem governar com base numa Constituição, sublimando os ditames do Alcorão e respeitando minorias e opositores seculares sempre suscita desconfiança.
A Turquia foi onde esse conceito se estabeleceu de forma mais forte, e não por acaso o país foi durante muito tempo o modelo da Primavera Árabe.
Como se viu no último mês, mesmo o paradigma turco se esfarelou com os confrontos em Istambul. Agora, a queda da Irmandade Muçulmana no Egito reforça o coro dos que avaliam que não se pode confiar governos democráticos a partidos islâmicos.
Os efeitos da dupla decepção, turca e egípcia, terão consequências duradouras na política do Oriente Médio.
O Irã tende a se fortalecer, com seu experimento de democracia controlada por um líder islâmico incontestável, o aiatolá Ali Khamenei.
Na Síria, Bashar al-Assad e seu regime secular ganham argumentos para reprimir a oposição coalhada de elementos islâmicos, alguns deles radicais. Era quase possível ouvir as gargalhadas do regime sírio ontem ao pedir em nota a saída de Mursi.
Nos territórios palestinos, o Hamas perde um de seus grandes fiadores, embora o efeito prático para seu domínio na faixa de Gaza seja incerto, já que o apoio do Egito era mais político que prático.
O fim da revolução egípcia não é necessariamente o fim da Primavera Árabe, mas o movimento dominó que derrubou quatro regimes despóticos --Tunísia, Egito, Líbia e Iêmen-- pode agir em sentido contrário agora. Os tunisianos, também governados por um partido islâmico, são os primeiros da fila.
A escalação do grande xeque da mesquita de Al-Azhar, maior autoridade religiosa do país, para aparecer na TV ao lado do chefe militar mostra alguma preocupação em não desacreditar o papel do islamismo na vida política.
Nada que deva aplacar os ainda numerosos seguidores da Irmandade ou reverter o divórcio entre islã e política, um efeito que tende a ser muito maior do que a simples derrubada de um presidente.
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