FLIPETAS
O ensaísta americano John Jeremiah Sullivan (ilustração) perdeu seu voo original para o Brasil por estar sem visto. Ao ouvir isso numa roda de amigos, Aleksandar Hemon disse: "Isso nunca aconteceria comigo. Um exilado não viaja sem olhar dez vezes seus vistos".
NÃO PERTURBE
Na divertida mesa com Zuca Sardan, Nicolas Behr contou a história da "porrada" que levou de Carlos Drummond de Andrade. Em visita ao Rio nos anos 1970, Behr ligou para ele e recitou paródias que havia feito de seus poemas, como "E Agora, Brasília?". Ao seu estilo mineiro, Drummond ouviu em silêncio e disse: "Cuida da sua poesia, deixa a minha em paz".
Protestos se mesclam entre rua e debates
Tom político da Flip cresce no penúltimo dia, com manifestações nas ruas de Paraty e sátira em conversa entre poetas
Moradores reclamam de concorrência de grandes barcos, pedem mais livros e ingressos da festa mais baratos
Marcada durante a semana, uma manifestação local juntou grupos com causas diversas a partir das 9h, quando foi bloqueado o cais turístico da cidade.
"Eu já falei/ vou repetir/hoje turista não passa por aqui", gritavam os manifestantes, àquela altura formados em sua maioria por barqueiros que vivem dos passeios turísticos e reclamavam da concorrência desleal de escunas de grande porte.
O clima invadiu a programação principal já na primeira mesa do dia, dedicada à poesia. Nela, o poeta Nicolas Behr, 55, apresentou cartazes que faziam referências às manifestações.
Após o bloqueio do cais, os manifestantes, entre eles membros do Fórum das Comunidades de Paraty e do Acorda Paraty, saíram em caminhada pelo centro histórico, rumo à prefeitura. Por volta das 16h, bloquearam a ponte que dá acesso à Tenda dos Autores, onde, naquele momento, acontecia a mesa com os escritores Laurent Binet e Aleksandar Hemon.
Binet se disse "empolgado" por vir ao país em meio às manifestações.
"Talvez seja a separação entre a intelectualidade e o povo. Vim querendo fazer parte da história, agora estou falando aqui e a história pode estar ocorrendo lá fora."
Minutos depois, gritos, assovios e palavras de ordem vindas do protesto, na ponte, invadiram a tenda.
À tarde, o prefeito de Paraty, Carlos José Gama Miranda, o Casé (PT), que assumiu no início do ano, disse que receberia os manifestantes. Quando o protesto, de cerca de cem pessoas, chegou à prefeitura, líderes foram convidados a subir ao gabinete.
Os manifestantes informaram que não tinham líderes e pediram ao prefeito que descesse, o que não ocorreu. "Vergonha, vergonha!", gritaram.
Além de conterem temas comuns a manifestações por todo o país, com dizeres contra as más condições de saúde e segurança, os cartazes destacavam uma questão diretamente ligada à Flip --pequenos grupos pediam mais livros e políticas de leitura.
Entre as bandeiras levantadas no protesto, uma dizia respeito ao alto preço dos ingressos da Flip (R$ 46 na Tenda dos Autores), inviáveis para a população local.
PRODUÇÃO CARA
A inglesa Liz Calder, criadora da Flip, disse que "seria bom" se os ingressos fossem mais baratos, mas que os custos de produção são altos.
A organização da Flip informa que todo ano 10% dos ingressos são disponibilizados gratuitamente a professores e alunos da rede local, mas que a procura é baixa.
No penúltimo debate da noite na Tenda dos Autores, ao lado do psicanalista Tales Ab'Saber e do historiador T.J. Clark, o filósofo e colunista da Folha Vladimir Safatle interpretou: "Vivemos uma volta da política à rua, que é o lugar natural da política brasileira".
Banville critica mistura de arte com política
DA ENVIADA A PARATYA contista americana Lydia Davis e o romancista irlandês John Banville, dois dos maiores nomes literários desta Flip, protagonizaram ontem a única mesa não afetada pelos protestos em Paraty.Ambos falaram de suas obras e influências. O tema das manifestações apareceu só no final, numa pergunta do público lida pelo mediador, Samuel Titan Jr., sobre a relação entre política e arte.
"Não dá para misturar arte com política. Fica ruim para ambos. A única obrigação da arte é ser arte, e é o que faço", disse o vencedor do Man Booker Prize 2005 por "O Mar".
Davis disse pensar de modo diferente. "A política perpassa tudo. Até quando você escreve sobre vacas", disse.
Antes, ambos discorreram sobre seus estilos singulares. "Quando comecei a escrever, planejava contos tradicionais, com cenas, diálogos, personagens e descrições. Assim escrevi por muitos anos, mas chegou a um ponto em que achei mais prazeroso fazer algo diferente", disse Davis, autora de "Tipos de Perturbação".
Banville, conhecido pelo zelo com a construção do texto, comentou os romances policiais que escreve sob o pseudônimo Benjamin Black, mais populares. "Gosto dos textos de Black. Talvez não os ame, mas gosto muito." (RC)
Autor de hino da Primavera Árabe cancela ida à Flip
DOS ENVIADOS A PARATYO escritor palestino Tamim Al-Barghouti, que ficou conhecido como "o poeta da Primavera Árabe" por ter seus versos entoados por manifestantes na praça Tahrir, no Cairo, não vem mais para a Flip.Segundo a organização da festa literária, ele chegou a embarcar no Cairo, mas, durante a escala em Londres, teve seu passaporte extraviado.
Sua vinda foi posta em dúvida quando, na última quarta, com o golpe militar no Egito, vários voos foram suspensos. Segundo a Flip, o poeta embarcou entre quarta à noite e quinta-feira pela manhã.
A organização programou uma entrevista coletiva com ele, que nem foi divulgada.
O romancista Milton Hatoum, que fez a conferência de abertura desta edição, foi convidado a assumir o lugar de Al-Barghouti. Hatoum é estudioso da cultura árabe e amigo da família Barghouti --foi quem fez a intermediação para a vinda do escritor Mourid Barghouti, pai do poeta, à Flip em 2006.
O filósofo e colunista da Folha Vladimir Safatle também participará do debate.
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