O MAPA DA CULTURA
De carcará a tiê-sangue
Quando Bethânia se for, virá a passarada
Decerto não será concorrida como a Flip, mas a primeira edição do Festival Aves de Paraty, entre 6 e 8 de setembro, quer se tornar tão importante em sua área quanto a maior festa literária do país.
São dois festivais, pode-se dizer, aparentados. Foi na edição do ano passado da Flip, quando o romancista americano Jonathan Franzen deixou claro que estava mais interessado em bisbilhotar passarinhos do que em discutir literatura, que ganhou fôlego o trabalho até então ignorado do projeto Aves de Paraty, da Associação Cairuçu.
A equipe que ciceroneou Franzen reservas adentro por quatro dias achou que estava na hora de convencer os donos das 150 pousadas e hotéis da cidade de que a observação de passarinhos traz um turismo de baixíssimo impacto ambiental e de alta qualidade, consumidor de arte e gastronomia.
Daniel Cywinski, diretor-executivo da Cairuçu, conta que a área de Paraty tem 426 espécies de aves catalogadas desde 2011 (inventário compilado no site avesdeparaty.org.br). Cinquenta delas só existem na região.
O festival terá atrações eminentemente desconhecidas do grande público, como o uruguaio Juan Pablo Culasso e o brasileiro Johan Dalgas Frisch. Franzen foi convidado a voltar, mas já indicou que não deve conseguir. Continuará sem conhecer pessoalmente o formigueiro-de-cabeça-negra, que não se dignou a aparecer nenhuma vez durante sua estadia na cidade.
CANOAS EM EXTINÇÃO
Se sobram aves, começam a faltar canoas caiçaras. A região é dos raros lugares onde ainda se veem essas embarcações, feitas de um tronco só. Num mundo que prefere barcos de fibra de vidro, os mestres canoeiros não têm encontrado quem lhes ouça os conhecimentos.
Um dos motivos, diz Cywinski, é uma dessas lendas urbanas, ou melhor, florestais, envolvendo as unidades de preservação. Surgiu um consenso de que canoeiros não poderiam derrubar árvores para fazer canoas, apenas esperá-las cair.
Considerando que construir uma embarcação já é um processo demorado --o mestre esculpe a primeira forma do casco da árvore ainda na floresta, então o arrasta e conclui a obra na praia, num trabalho que leva de dois a três meses--, esperar a árvore cair não seria lá muito prático.
Adolescentes paratienses descobriram, com o apoio da Cairuçu, que há meios legais para a retirada de madeira. E vai filmar, para o documentário "Canoa Caiçara", o processo inteiro, da retirada do tronco ao tapa final na escultura.
Só esperam a Flip acabar. Entram na mata no dia 15, e a meta é lançar o filme até o final do ano.
CASABLANCA
Bóris não gosta de carteiros, carroças nem de pessoas fardadas.
Sentado na soleira da porta de seu casarão no centro histórico de Paraty, o músico aposentado Marc Aysak, 54, assim perfila seu braco alemão de oito anos. Minutos depois, o enorme cão preto se levanta para atacar uma carroça que passa, desavisada, pela rua Dr. Samuel Costa.
Aysak e seu cão Bóris são uma espécie de patrimônio cultural da cidade em eventos como a Flip, o Paraty em Foco e o Bourbon Festival Paraty. Sempre que a cidade está fervilhando de turistas, Aysak pega sua almofada, senta na soleira e acende um cachimbo. Bóris, de bandeirinha do Brasil no pescoço, deita-se ao lado --quando não está atacando carroças.
Muita gente na cidade diz que só vê Aysak em tempos de festa, mas ele afirma que passa boa parte do ano por lá, dividindo-se ainda entre Lisboa, Rio e São Paulo, onde tem apartamentos, herança de família. Quando faz viagens mais longas, manda Bóris para um spa.
Aysak nasceu no Marrocos e veio para o país ainda bebê. Sua família, diz, tem casa em Paraty desde o final do século 19. Ele mesmo só passou a frequentar a cidade há dez ou 11 anos, ou seja, desde que a Flip começou. Divertiu-se com Eric Hobsbawm na primeira edição, e, nesta, tinha ingressos para a conferência de abertura, a primeira mesa de poesia e a de Gilberto Gil. "A Flip só fez bem a Paraty, embora tudo tenha ficado mais caro", diz.
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